Um sentido numa vida sem sentido

Um sentido numa vida sem sentido
Autor Alex Possato - [email protected]
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Hoje me veio uma imagem: um cavalo em disparada, como aqueles que saem no jóquei clube… Foi dada a largada. A minha aconteceu, pelo que me lembro, há muitos e muitos anos. Refutei, como dizem, muito tempo. Sabe aquele cavalo que sai dando pinotes, rodopia, não sai do lugar, enquanto todos os outros estão correndo lá na frente, fazendo já a primeira curva?

Esta era a minha sensação. Todo mundo sabe o que quer, vai correndo atrás dos seus cursos, do seu vestibular, atrás dos sonhos e da construção de um futuro, e eu enroscado nos problemas da minha família, na minha depressão, nos meus medos. Era a minha sensação. Só conseguia sair de uma situação quando alguma coisa grave me colocava sob pressão. Tragédias, doenças próximas, falta de grana… alguma coisa tinha que bater na minha bunda, para eu me mover.

No fundo, o que eu queria era ter uma mulher. E uma família. Só isso. Algo dentro de mim queria fazer o bem, me guiava para um caminho de doação, mas objetivo mesmo, somente o de ter uma família. E tive. E muito mais. Uma filha biológica, um filho adotivo, empresa, atuação como voluntário, um caminho espiritual… Uma coisa não posso negar: sempre fui um buscador, e um inconformado. Não me conformava com a minha própria falta de motivação.

E buscava em todos os lugares. Me casei com uma pessoa, que por diversos motivos, me fez sair da zona de conforto. Era muita água batendo na bunda. Não tinha sossego para me acomodar. Eu sempre escrevi bem, e meu sonho era ser um Paulo Coelho da vida: ganhar milhões de dólares (sim, eu disse milhões!) e ficar sentadinho, num lugar tranqüilo, respondendo emails e dando entrevista. Viajando pelo mundo. Muitos anos após, lendo a biografia do mago, entendi que a vida dele não foi este sonho infantil que eu teci.

Infantil. Esta é a palavra. Eu era muito infantil. Muito mesmo. Uma criança, querendo ser grande. E a vida foi me ensinando que o sentido dela não é aquela que as pessoas dão. Ter família é normal. Trabalhar é normal. Ter um caminho espiritual é normal. Ser voluntário e praticar filantropia é normal. Tantos e tantos livros diziam a mesma coisa, mas eu não conseguia entender, porque só estava olhando para os cavalos fazendo a curva, lá longe. E os livros diziam: olhe para dentro. O sentido está dentro de você. E enquanto você não enxerga, relaxa. Faça o melhor que você pode fazer, aqui e agora.

Vou ser sincero: é muito duro estar bem com aquilo que faço, aqui e agora. É muito difícil estar feliz comigo mesmo, do jeito como eu sou. Fui ensinado – e continuo sendo influenciado – a buscar algo lá longe, lá na curva onde os cavalos correm, e isso me dá muita ansiedade. E uma sensação de insatisfação constante. Uma tristeza invade, ao perceber que outras pessoas, que não eu, estão vencendo o páreo. E eu refutando, ainda na largada. Fui ensinado a ser uma pessoa frustrada. Por quem?

É só olhar para o meu pai. Um homem cheio de talentos, que fez muitas coisas e não fez nada. Amargurado, cheio de doenças. É só olhar para a minha mãe: sempre querendo algo que não tem. Sempre querendo chegar em algum lugar que não é o lugar onde ela está. A minha avó: mulher forte, cheia de razão, que não conseguia sair de casa e padecia de constantes crises emocionais. O meu avô, homem idealista, revolucionário… pobre e submisso à minha avó. Meu avô materno: empreendedor de sucesso, tudo o que colocava a mão, dava certo… e alcoólatra inveterado, que destilava raiva e depressão, apesar de “todo o sucesso”. A minha avó, sua esposa: submissa, amedrontada, trabalhadora, calada… Ninguém realizado na minha família! Ninguém que eu possa dizer: esta pessoa estava bem com ela mesma, e bem com o que ela fazia!

Ok, mas eu posso ser diferente. Sei que todos os meus familiares também tinham dezenas de aspectos positivos. E eu posso tomar posse destes aspectos. E com estes ingredientes, mais aqueles que trouxe na minha algibeira pessoal, posso cavalgar de outra forma. Posso sair do páreo. Posso andar para o lado oposto ao que os outros cavalos estão indo. Quem disse que eu quero correr o mesmo páreo? Não, não quero! Eu quero é ir andando pelas montanhas, respirando o ar puro e fresco da manhã, me banhando em rios e cachoeiras deste mundo afora. Quero lidar com pessoas, sim, mas do meu jeito. Dando somente aquilo que tenho. E o que tenho já é o suficiente. Porque aquilo que sou, já é o suficiente. Chega de tentar achar um sentido dentro daquilo que outros dizem que é o sentido. Quem sou eu, pensando que existe algo diferente a fazer, além daquilo que estou fazendo, aqui e agora? Posso andar a hora que quiser. Posso parar a hora que quiser. Posso dar saltos. Posso descansar. Posso repousar sob a relva verde e perfumada. Posso correr e sentir o suor escorrendo pelo meu corpo. Posso morrer a qualquer momento. E tudo está bem. Nada tem sentido. Assim, tudo faz sentido.

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Conteúdo desenvolvido por: Alex Possato   
Terapeuta sistêmico e trainer de cursos de formação em constelação familiar sistêmica
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