O RATO E O LEÃO

por Hellen Katiuscia de Sá

Esse é um conto que se encaixa na categoria “da carochinha”... Portanto os personagens podem ser animais selvagens, mas nem por isso limitam-se a tal observação...

Havia na floresta todo tipo de bicho e todos eram governados pelo senhor mais do que senhor das selvas: o poderoso rei leão. Ele era muito culto, tinha toda erudição, solenidade e informações invejadas pelos demais animais candidatos a “senhores de respeito” dentro da corte. Como o leão era o único detentor da erudição cobiçada... então, só havia ele: o todo poderoso felino-comandante!

O rei conhecia tudo através de livros... Conhecia o ciclo das estações e por isso era o melhor caçador da floresta. Sabia, pois, a rota de migração de todos os apetitosos animais e assim nunca passava fome. Conhecia também os mistérios da Rosa dos Ventos e isso potencializava suas belas e avantajadas narinas, quando lançava o seu narigão felino para a atmosfera acima de si mesmo. Tal procedimento o ajudava muito no ato de farejar uma merendinha do meio da tarde. Desse modo o rei leão podia escolher ao bel-prazer o que desfrutar para sanar sua fome repentina.

Nossa! Ele era demais. Todos os animais da floresta esforçavam-se para se parecer com o rei. Um dia, porém, a hiena veio com uma notícia, dizendo que estava chegando um trem para levar boa parte dos animais a um passeio. E o rei, como nunca havia lido sobre isso, não acreditou.

Mesmo assim, os demais animais deram um pouco de crédito à hiena. Eis que surge o grande dia. Como foi dito, o trem estava ali próximo. Os animais foram se chegando, se chegando... e viram realmente um trilho que levava até o infinito da floresta. E os vagões se abriram. Muitos foram experimentar a viagem; outros, céticos, não entraram nos vagões com medo do desconhecido.

E o rei leão, muito culto, cheio de erudição e tal, sequer viu o trem à sua frente! Um ratinho que estava ao lado do grande rei da selva perguntou a vossa majestade: “Senhor, não vais entrar em tão bela carruagem?”

“Que carruagem, ó rato insensato!? Não vejo nada desse tal assombroso trem que a hiena falou! Vejo apenas alguns animais andando em fila rumo àquela direção...”, disse o rei leão.

O ratinho, espantado: “Vossa majestade é tão erudito, tão sabedor das coisas dos livros... mas não sabe nada da vida...” Continuou o ratinho: “Esse trem, vossa majestade... é a própria vida. E o senhor não o enxerga? Prefere ficar preso às regras das letras, por isso quando surge algo fora dessa lei, o senhor não pode ver!”

“Não pode ser!” gritou o leão. “Um simples ratinho querer ensinar-me o que eu posso ou não ver... ora essa!!!”

Antes do rato subir no trem ainda disse ao rei leão: “Não estou lhe ensinando nada, majestade. Porém não basta ser rei, ser sabedor de toda erudição do mundo, se vossa majestade não conhecer nada da vida. Os livros nos dão informações, mas é no dia-a-dia que percebemos se essas informações nos serão úteis ou não. O senhor só será verdadeiramente rei quando souber governar a si próprio e não utilizar essa erudição toda que adquiriu a seu bel-prazer”.

O rei leão ficou pensando... pensando... “Meu pequenino súdito, como você ficou sabedor disso tudo que me falastes, sem ler nos livros?”

“Ora, vossa majestade, vivendo...”, disse o rato já indo embora no trem.

Hellen Katiuscia de Sá
10 de março de 2006

Texto revisado por Cris