Abaixo a perfeição

por Andrea Pavlo

Eu sou um montão de coisas. Mulher, mãe de gata, irmã, filha, terapeuta, escritora, bailarina, amiga, dona de casa e mais um montão de papéis que eu nem vou me lembrar de escrever aqui. Mas quando eu entro em casa e vejo a louça na pia, os sapatos espalhados ou pêlo de gato no sofá, simplesmente entro em pânico. Geralmente, essa cena acontece depois de chegar, tarde, da academia. Eu já dancei por mais de uma hora, fiz elíptico ou esteira, e só quero tomar um bom banho, comer e me acabar em frente aos programas bobinhos da Discovery Home & Health.

Mas e a louça? A pilha de roupas para passar? Ligar para a operadora de TV para baixar o preço absurdo desse pacote? Escrever o artigo que deveria ser da semana, e não do ano. Escrever o artigo do Guia Brasil e os 4 do Uol. E aquela moça que está esperando um horário no Whatsapp, e mandar lavar o carro? E remarcar a drenagem, meu Deus, o pacote acabou e eu esqueci de pagar. E a vida?

Confesso que ainda me pego nessas questões da vida prática de adulto. E assumir isso não é brincadeira e nem para qualquer um. Sim, somos obrigados, mas não é disso que estou falando. Estou falando de realmente assumir, de realmente fazer, de realmente estar presente e consciente da parte mais chata da vida. O trabalho ocupa a maior parte do nosso dia. E não estou falando só daquele trabalho remunerado, que você entra e sai, mas tudo que envolva a nós mesmos. No meu caso, e acho que no caso de muita gente, é bem fácil e tentador abrir mão de mim mesma para cumprir, com perfeição, outras tarefas. Deixar de ir à academia ou de passar aquele fim de semana num Spa porque está com dúzias de relatórios atrasados. Deixar de comer uma comida saudável (comida de verdade) e se contentar com um enroladinho de presunto e queijo, senão não dá tempo de passar no pet para comprar a fonte nova da gatinha. Isso é que não pode acontecer. Isso é se abandonar. E as coisas começam sempre pela gente.

Sabe aquelas pessoas que você entra na casa e está tudo uma bagunça? Preste atenção, antes de julgar. Veja qual é a prioridade dela, antes. Pode ser que a casa esteja bagunçada, mas o corpo feliz e saudável. Mas geralmente uma bagunça fica por cima da outra. Primeiro, abandonamos hábitos saudáveis, que demandam tempo. Depois abandonamos a casa, os cuidados com os animais ou até os filhos ou qualquer coisa assim. Depois abandonamos o trabalho, e aos poucos vamos abandonando tudo e nos despedindo dessa vida que tem muitas, muitas coisas chatas.

Quando percebemos, estamos à míngua, ou esperando por um milagre externos, um programa do Discovery que arrume a nossa casa, nosso estilo, e nos faça emagrecer ou simplesmente desistimos. Esse é o perigo de querer fazer tudo tão perfeito. Faça. Faça a sua vida andar. Deixe as coisas fluírem. Mas se sobrar uma louça na pia, tudo bem. Se não deu para completar a série de exercícios, pelo menos você fez o aeróbico. Vá se programando para ser a sua prioridade número um, mesmo que seja por alguns minutos por dia. A perfeição é estar bem, para que tudo fique bem ao nosso redor.

Texto Revisado