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Atravessar a dor sem deixar-se capturar por ela

Publicado por Bel Cesar em Espiritualidade

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Lama Gangchen Rinpoche nos alerta: "Os fenômenos estão em nossas mãos". Na primeira vez que escutei ele dizer isso, pensei, rindo internamente: "Nas suas". Mas, num outro momento quando ele nos disse que está em nossas mãos escolher o que fazer com nossa mente, compreendi mais uma vez que o budismo nos convida a sermos 100% responsáveis por nós mesmos. Não há como sermos vítimas nem mesmo de nossa autoagressão. Podemos nos sentir atingidos por algo, mas caberá a nós mesmos ficar na dor ou atravessá-la.

Atravessar uma dor é isso que está dito: passar por ela sem deixar-se capturar. Para atravessar a dor, temos de senti-la. Etapa por etapa, em nosso corpo. A dor que não vai embora é aquela que não foi sentida. Repito: sentida em nosso corpo.

Como num ritual de passagem, há um percurso a seguir: inicialmente, iremos reconhecê-la e permitir que ela se faça presente; então, nos abrimos cada vez mais para que ela entre em nós pela porta da frente de nossa mente e nos dê sua mensagem. Uma vez completada sua "performance", deixaremos que se vá, como uma dança do vento que entra em nosso espaço interior, mexe conosco por dentro e depois se vai.

Dores não sentidas são como ar parado nos recantos de armários há muito tempo não arejados. Algo como desmontar a casa de uma pessoa querida depois de seu falecimento. Teremos de pedir permissão para quem não está mais lá para tocar suas coisas, lugares e lembranças há muito tempo guardadas e cheias de energia, à espera de um novo direcionamento, uma nova ordem.

Reconhecer significa simplesmente dar-nos conta de algo. Ainda não há nada a ser feito. É como passar um scanner em nosso corpo, rastreando-o para diagnosticá-lo. Ao percorrer os vários pontos de nosso corpo, mente - ou mesmo de uma situação -, intuitivamente saberemos que o melhor lugar para começar uma arrumação é justamente onde ele nos permite estar.

Permitir significa deixar a energia desse sentimento do tamanho em que ele se encontra. Há uma máxima budista que define bem o que fazer: não se apegue e nem rejeite, e então tudo será claro. Estar diante da dor sem rejeitá-la permite que ela resgate seu movimento natural. Saia da paralisia. Permitir, por si só, é uma atitude que gera descompressão, desbloqueio.

Quando uma dor é intensa demais, teremos que buscar recursos para lidar com ela e senti-la aos poucos.

No método do tratamento de trauma Experiência Somática SE® desenvolvido por Peter Levine iremos aprender a recusar, titular e pendular a dor, para que ela possa ser vivenciada positivamente.

Recursar significa conectar-se com fontes de apoio e ajuda. Por exemplo, se está muito intensa a dor que sinto em meu peito quando entro em contato com certas lembranças, levo minha atenção para a região do meu corpo onde há menos tensão e até mesmo uma certa calma. Um campo seguro para se estar. Uma vez que conseguimos nos sentir um pouco melhor, voltamos para sentir a região do peito e provavelmente iremos notar que já não é mais tão intensa como antes. Pendular entre os pontos de mais intensidade e os de calmaria leva a dor sair da paralisação, para tornar-se uma realidade possível. Esse processo precisa ser feito a conta-gotas para não desencadear novas dores: trata-se de titular a dor. Desta forma, gradualmente iremos nos abrir para nossas dores.

Abrir-se à dor significa poder encará-la sem sentir-se ameaçado.

É como esclarece Sonia Gomes (www.traumatemcura.com.br): "No trauma sempre há uma desconexão, um bloqueio no qual o objetivo da SE® é ajudar o organismo a sobreviver a um evento devastador, restaurando a confiança na capacidade regulatória do corpo. Se existe uma peça faltando, e o corpo sabe que algo está faltando, é preciso confiar no seu ritmo intrínseco para que a pessoa possa lidar com essa situação. Se ela ainda não aprendeu a confiar no processo autorregulatório, nos seus sentimentos, nas suas sensações e nas suas memórias, ela ficará desorganizada de modo a proteger o organismo".

Na medida em que nos abrimos para nossa dor, ela nos convida para entrar em seus cantos menos habitados. A cada sensação que surge, ocorre algo novo. Uma vez que nos permitirmos explorar estas novas sensações - sem querer controlá-las - elas naturalmente irão descarregar a energia retida, permitindo concluir um gesto inacabado do corpo e da mente. Uma sensação de alívio seguida de bem-estar. Um pensamento apaziguador que acompanha uma expiração mais longa. Escutamos os líquidos da barriga se moverem e a sensação de que "tudo está bem" se faz mais presente. Tremer, chacoalhar, peidar, espirrar, bocejar, rir e chorar quando seguidos de alívio são outros sinais de que houve uma descarga.

Finalmente, sentimo-nos inteiros. Há coerência entre nossos mundos interno e externo. A integração se fez possível. Uma vez livres de uma dor que não imaginávamos que um dia poderia passar, estamos prontos para tomar um novo direcionamento. O sofrimento pode permanecer como a saudade daquele que se foi, mas a dor que nos impede de sentir esta saudade com conforto e calor pode passar.

Como é importante honrarmos nosso direito de pausar para reconhecermos e nos mantermos conectados com nossa base! Quanto maior nossa capacidade de empatia conosco mesmos, maior será nossa empatia pelos outros.

Quando não podemos mudar uma situação, temos que mudar a nós mesmos. Mas, fazer por si mesmos não quer dizer fazer sozinhos. Podemos sempre buscar novos recursos.

Mudar um pensamento sobre algo não faz esse algo mudar por si mesmo, mas nos possibilita interagirmos com ele sobre uma nova base, a partir da qual torna possível uma mudança de ambos. Num relacionamento conflituoso, este princípio nos ajuda a dançarmos com os fenômenos no lugar de termos a ilusão de que podemos manipulá-los de acordo com nossa própria vontade.

A partir de uma base confiante e amorosa, sem a necessidade de fugir ou atacar, algo positivo ocorre. Às vezes, levamos anos cultivando uma nova base até ela poder se tornar realidade, mas teremos entrado e saído pela porta da frente.

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Sobre o autor
bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
Email: [email protected]
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