Relacionamentos amorosos e superficialidade nos tempos atuais

Relacionamentos amorosos e superficialidade nos tempos atuais
Autor Alexandra Vasconcelos - [email protected]
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O cenário atual dos relacionamentos amorosos, de modo geral, vem deixando parte significativa das pessoas insatisfeitas. Dos consultórios terapêuticos às mesas de bar, o discurso parece o mesmo. São queixas sobre relações superficiais, efêmeras e interesseiras, desprovidas de conexão real e do vínculo de confiança, fundamentais para seu aprofundamento. Ao pesquisar o assunto, foi possível encontrar autores de diversas áreas que discorrem sobre esse tema.

Para iniciar essa reflexão, é importante apresentar um fenômeno comportamental generalizado que vem levando as pessoas a padronizarem seus comportamentos de forma não saudável. Abraham Harold Maslow, grande psicólogo americano e protagonista na criação da Psicologia Transpessoal, ao perceber esse fenômeno social, denunciou que aquilo que era comumente considerado “normal” em psicopatologia era, “na verdade, uma doença, uma psicopatologia do indivíduo comum, tão generalizada que, habitualmente, nem a notamos”.

Sendo assim, para nomear essa manifestação coletiva, Roberto Crema e Jean-Yves Leloup, no Brasil e na França, respectivamente, criaram o termo normose. Segundo Pierre Weil, a normose pode ser considerada como o conjunto de conceitos, normas, estereótipos, valores e hábitos de agir ou de pensar que são aprovados por um consenso ou por grande parte das pessoas de uma determinada sociedade, que têm como consequência o sofrimento e o desenvolvimento de doenças nos indivíduos.  É importante ressaltar que esse mecanismo acontece sem que seus atores e autores tenham consciência dessa natureza patológica. No presente texto, abordaremos as consequências da normose na dinâmica dos relacionamentos amorosos na atualidade.


Segundo a historiadora brasileira Mary Del Priore, vivemos tempos em que a liberdade sexual é um fardo para os jovens e muitos deles têm nostalgia dos velhos tempos, quando ainda havia prudência e sabedoria. Ou seja, por um lado, ganhamos a liberdade; por outro, perdemos a sacralidade da relação sexual, banalizada pelos meios de comunicação, letras de músicas etc. Imersa numa cultura de descarte, essa nova geração confunde liberdade com libertinagem.  Sendo assim, evidencia-se a importância de conciliar a conquista da liberdade – que tem seu mérito – com a dignidade e o respeito que as relações afetivas merecem.

 Sobre a liberação sexual presente nas últimas décadas, Roberto Assagioli comenta que este fenômeno não produziu a satisfação e felicidade esperadas porque, ao mesmo tempo em que extinguiu alguns dos obstáculos da antiga atitude mais conservadora – e seu consequente sofrimento –, acabou gerando outras complicações e conflitos. Os adeptos dessa livre expressão sexual descobriram, e continuam descobrindo, que “os excessos são necessariamente seguidos de esvaziamento ou fastio”.

Esse fenômeno pode ser explicado através do conceito de dessacralização, um dos mecanismos mais presentes dentro da normose. Criado por Abraham Maslow, esse termo refere-se à recusa em tratar qualquer coisa com interesse profundo e seriedade, gerando um empobrecimento da vida. Muitas vezes, “Maslow referia-se a valores modernos relativos ao sexo como um exemplo de dessacralização”. A dissociação do sagrado nas relações sexuais acabou infectando o desenvolvimento e consequente aprofundamento dos relacionamentos amorosos.  Essa ignorância, segundo Pierre Weil, caracteriza-se por uma cisão entre o sexo e a vida espiritual.

No contexto brasileiro, pode-se dizer que o “ficar” é um ótimo exemplo da dessacralização normótica. Criado em meados dos anos 1990, inicialmente era para ser apenas um meio informal entre os adolescentes de se conhecerem e trocarem carícias antes de pensar em algo mais sério. Porém, a popularização disso descambou para uma troca entre qualidade e quantidade, fazendo com que muitos jovens colecionassem “ficadas” e “ficantes” como verdadeiros troféus. Mais surpreendente ainda foi perceber que esses adolescentes, ao virarem adultos, perpetuaram esse comportamento. Weil classifica esse fenômeno como uma normose atual e patogênica sob diversos ângulos. Roberto Crema complementa constatando que “namorar e ir para a cama tornou-se um mero ficar, um consumir o corpo do outro de forma banal e quase impessoal”.

O psiquiatra e psicoterapeuta Flávio Gikovate é especialista no assunto e descreve o atual comportamento masculino. Os jovens de mente mais sensível não são capazes de reconhecer virtude na conduta cautelosa que respeita os sentimentos das moças. Não se veem como pessoas mais legais e nem se reconhecem como portadores de um sentimento moral mais apurado. Nesse triste aspecto do jogo erótico, observa-se uma completa subversão dos valores éticos: os decentes padecem e se consideram menos dotados e inferiores, enquanto rapazes mentirosos são vistos como superiores e, de fato, sentem-se assim. Essa inversão de valores pode gerar sérios desdobramentos no futuro.

Apesar de estar presente também no comportamento das mulheres, os homens são os que mais reproduzem esse comportamento normótico, aproveitando-se do contexto da desigualdade cultural entre gêneros que os estimula para tal. Sobre isso, Weil afirma que ainda estamos subjugados a uma cultura caracterizada pela normose masculinista ou machista. Essa ditadura do masculino sobre o feminino, dos homens sobre as mulheres e sobre si mesmos, assumiu progressivamente características patológicas. Nesse contexto, há o predomínio da razão sobre o coração, a repressão do feminino no homem e a resolução dos conflitos pela violência ao invés da conciliação. A normose masculinista produz homens intolerantes, autoritários, orgulhosos, prepotentes, racionalistas e emocionalmente frágeis e imaturos. Em relação às mulheres, a normose masculinista faz com que sejam dependentes, submissas, resignadamente dóceis, intimamente revoltadas e, assim como os homens, emocionalmente imaturas. Ambos tornam-se infelizes. “A dupla homem tirânico-mulher submissa vai se encontrar tanto nas organizações e empresas quanto nos casais e nas famílias”.

Diante do exposto, é possível entender de que modo a influência do machismo em nossa cultura é prejudicial à formação e ao desenvolvimento dos relacionamentos amorosos, já que impõe certa hierarquia na dinâmica do casal. Importante ressaltar que não só os homens, mas também as próprias mulheres perpetuam o machismo quando criam seus filhos e filhas de forma desigual, muitas vezes, ao cercear a liberdade das meninas e impedir os meninos de expressarem suas emoções. Sendo assim, torna-se fundamental a percepção de que o machismo é ruim para os próprios homens – não apenas para as mulheres – e que esta característica social impede o pleno desenvolvimento da maturidade emocional de ambos que, mais à frente, será indispensável aos relacionamentos amorosos equilibrados e evoluídos.

Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, produziu uma série de livros que aborda a temática da liquidez dos tempos modernos, a qual inclui a questão dos relacionamentos afetivos. Ao discorrer sobre o assunto, aponta a atual fraqueza e vulnerabilidade das parcerias pessoais, caracterizadas pela fluidez, fragilidade e transitoriedade dos vínculos sociais que, há aproximadamente uma década, ainda se mostravam duradouros e seguros para a construção dos laços humanos. A súbita abundância e disponibilidade das experiências amorosas propiciam a desvalorização da experiência atual em detrimento da próxima, que será ainda mais estimulante do que aquela que estamos vivendo. Nesse cenário, o investimento na relação torna-se precário, pois não há a visão de médio ou longo prazo. Em uma cultura consumista e imediatista como a atual, que favorece o produto pronto e a satisfação instantânea, tudo que exige esforço prolongado é reduzido à semelhança de outras mercadorias, como se fosse possível ter resultados sem esforço.

Outro mecanismo importante na manutenção da normose é o Complexo de Jonas. Criado também por Abraham Maslow, o termo refere-se à recusa do indivíduo em escutar seu chamado interior e em tentar realizar suas plenas capacidades, já que envolvem o medo de usar o máximo de seu potencial e o aumento da responsabilidade inerente. Assim, a pessoa acaba por preferir a segurança do comum e as realizações menos exigentes, em contraposição às verdadeiras metas de vida, que lhes exigiriam plena expansão. Fazendo uma alusão ao Jonas bíblico, que evitou assumir o compromisso de tornar-se profeta, o conceito inclui o medo de amar em sua totalidade, pois isso envolve entrega e vulnerabilidade diante do outro.

Sobre o medo de amar, Gikovate aponta dois tipos bem comuns. O primeiro refere-se ao medo de se entregar e se diluir no ser amado, perdendo, consequentemente, a individualidade e a liberdade. Dessa maneira, muitas pessoas – em sua maioria os homens – , quando percebem que estão prestes a perder o controle de seus sentimentos, decidem abrir mão do relacionamento nesse ponto da história, justificando à parceira que não se vê pronto para um compromisso  e desaparecendo em seguida.

Como o amor implica, na sua fase inicial, uma forte dependência, só não é assustador para os já emancipados. Estes conseguem se entregar aos perigos e delícias da dependência amorosa, pois sabem que conseguem sair dela, resgatando sua identidade caso seja necessário. O amadurecimento abre portas e cria expectativas positivas, confiança e otimismo diante das situações. Além do mais, a própria continuidade e evolução do relacionamento de qualidade fazem com que esse medo se dissolva, pois o espaço para a identidade mantém-se preservado.

O segundo medo é o da felicidade sentimental, aquele que podemos sentir quando estamos muito felizes com alguém e tememos que alguma tragédia aconteça. Esse tipo de medo também pode ser fruto de sentimentos equivocados de desmerecimento. Deste modo, torna-se necessário o trabalho de desenvolvimento da autoestima. Sobre a superação dessa fobia, Gikovate complementa com a afirmação de que ao enfrentarmos o medo, vemos que a felicidade não é perigosa e que medos irracionais devem ser enfrentados. “Afinal, se a felicidade for mesmo mortal, é melhor morrer de uma vez. A vida como condenação à eterna infelicidade não faz o menor sentido”.

Para superar a normose, tanto no que diz respeito à dessacralização quanto ao Complexo de Jonas, Pierre Weil propõe uma normoterapia, que pode ser praticada através de psicoterapia individual ou em grupos. Assim, recomenda que tomemos consciência da normose e de suas causas como uma terapia para a crise contemporânea. Para isso, é preciso aprender a escutar a voz interior, que representa a verdadeira sabedoria.


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Conteúdo desenvolvido por: Alexandra Vasconcelos   
Facilitadora de PSYCH-K® PRO (reprogramação de crenças limitantes no subconsciente) e Terapeuta Transpessoal. Pós-Graduada em Psicologia Transpessoal pela ALUBRAT e em Arteterapia de Abordagem Junguiana pelo IJEP. Consultas em Brasília: (61) 99805-6320 (Vivo/Whatsapp) ou [email protected]
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