Quando Faltam as Palavras

Quando Faltam as Palavras
Autor Priscila Gaspar - [email protected]
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CENA 1: Rafael é um lindo bebê de 5 meses de idade. Ao acordar de madrugada com a fralda molhada, sentindo frio e fome, bem como desamparo ao perceber-se sozinho no quarto, chora desesperadamente, contraindo o corpo, com força.
CENA 2: Gabi e Vitor têm 3 anos de idade e freqüentam a mesma escola maternal. Certo dia, ambos demonstram interesse pelo mesmo brinquedo, porém Vitor é mais rápido para pegá-lo e Gabi, frustrada, começa a chorar.
CENA 3: Fato semelhante ocorre com os irmãos Pedro, de 8 anos e Carolina, de 7. Porém, quando Pedro toma o brinquedo, Carolina imediatamente reage dando-lhe um chute na canela.
CENA 4: Isabela trabalha em uma agência bancária, como caixa. Apesar do estresse diário, tem sempre um sorriso para os clientes. Aparentemente suporta bem o excesso de trabalho, a pressão do gerente e a cobrança do público. Seus colegas nem desconfiavam que ela internalizava toda a sua dor. Então, precisou afastar-se do trabalho em função de uma crise de enxaqueca.
CENA 5: Joel chega em casa cansado depois de um dia estressante. Entra em casa sem cumprimentar os filhos e a esposa, senta-se e liga a TV para ver o noticiário. Ao ser indagado pela esposa sobre o que está havendo, grita com ela para que cale a boca porque quer assistir o jornal.

O elemento comum a todas essas cenas são as reações emocionais que não podem ser verbalizadas, seja em decorrência da imaturidade do protagonista ou pela falta de treino em fazê-lo. Em todos esses casos, emoções desagradáveis se manifestaram por meios primitivos, comportamentos físicos e reações corporais, com pouca ou nenhuma verbalização. Ou seja: nenhum de nossos personagens se utilizou de palavras para expressar o que estava sentindo!

Palavras são unidades da linguagem oral ou escrita e que representam uma única idéia. Assim como outros símbolos, fazem parte de uma cadeia de associações estruturadas em nosso psiquismo, tanto consciente como inconsciente.
Quando pensamos, mentalmente nomeamos e associamos os estímulos provenientes do exterior (órgãos dos sentidos) com os símbolos e imagens já registrados, ampliando e reestruturando as cadeias associativas. Cada palavra é um símbolo e está intrinsecamente ligada ao objeto real que representa. Para algumas linhas da psicanálise, o registro simbólico tem na linguagem sua expressão mais concreta. Entende-se que o inconsciente é estruturado como linguagem e esta é condição necessária para que ele exista.

Ao longo da evolução, o ser humano adquiriu a capacidade de se comunicar através da linguagem e, quanto maior essa capacidade, mais distante ficava dos comportamentos primitivos e instintivos dos animais. O mesmo ocorre ao longo do desenvolvimento de cada indivíduo, pois observamos nas crianças pequenas, que ainda não apresentam a capacidade de verbalizar, apenas reações primitivas. À medida que crescem, aprendem a falar e passam a estruturar seus pensamentos através de símbolos encadeados e associados. Assim, é possível que uma emoção seja nomeada e verbalizada, em lugar de ser descarregada sob a forma de uma reação física. Em lugar de chorar e contrair o corpo, um adulto pode expressar sua frustração conversando com alguém.

Ainda assim, em situações limite costuma ser difícil dar nome ao que se sente, ou seja, quando faltam as palavras, reagimos de forma semelhante a um bebê! A saída sem palavras pode ser por meio da agressão física, gritar sem argumentar ou mesmo acumular a tensão no próprio corpo, somatizando doenças, como no caso de Isabela.
Dessa forma, vemos que a maior parte das brigas, agressões e somatizações poderiam ser evitadas se aprendêssemos a verbalizar, ou seja, a utilizar as palavras para expressar aquilo que sentimos. Essa aprendizagem pode ser uma das tarefas mais desafiadoras para o ser humano, mas que, com certeza levam a maior maturidade e bem estar.

Ainda que não existam palavras específicas para certos estados emocionais, a utilização de metáforas e comparações tem o mesmo efeito, pois permite representar tais estados, organizando os respectivos símbolos em cadeias associativas. Frases como “fiquei sem chão” podem não corresponder à realidade, mas expressam metaforicamente a sensação desespero de quem não sabe como agir.

Esse é o princípio da “cura pela fala”, a que se referia Freud, experimentada por todos que já sentiram alívio após falar sobre si, suas emoções, angústias, ou mesmo relatando fatos para pessoas em que confiam. Ao ouvinte, é importante saber que o ato de falar, embora aparentemente não resolva nenhum problema, permite a quem fala se reestruturar psiquicamente. Daí a importância de se dispor a ouvir, acolher e aceitar o que o outro fala, validando seus sentimentos.

Muitas vezes é necessária neutralidade no ouvinte, e então temos o lugar da psicoterapia. Esta não atuará apenas na escuta, mas também favorecendo a aquisição da capacidade de se expressar verbalmente e de se reorganizar psiquicamente.

É muito comum em nossa cultura darmos excessiva importância às dores físicas e pouca (ou nenhuma) às dores emocionais. Se uma criança se fere com um objeto cortante, um ou mais adultos logo a acolherão, para passar remédio no “dodói”, assoprar, dar beijinho etc. O mesmo não ocorre com uma criança que, sentindo-se humilhada ou menosprezada começa a chorar. Provavelmente dirão a ela que “isso não é nada”, invalidando totalmente a sua dor! Dessa forma, os adultos estão ensinando a essa criança que seus sentimentos não valem nada, não são importantes. É possível que isso tenha ocorrido com Isabela, que aprendeu a esconder seus sentimentos e desconfortos emocionais. Apenas a dor física é validada e, por isso, justifica a ausência no trabalho!

No caso das agressões físicas, a falta das palavras fica ainda mais evidente. A capacidade de argumentar, calcada em um bom raciocínio lingüístico e expressão clara poderia evitar inúmeras brigas e até homicídios.

Cabe a nós, seres humanos conscientes da responsabilidade por nossos atos, o interesse em aprimorar o uso das palavras demonstrando empenho no auto-aperfeiçoamento e na evolução da humanidade!



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Conteúdo desenvolvido por: Priscila Gaspar   
Priscila Gaspar é Psicanalista, Terapeuta de Regressão e Terapeuta de Casais, com especialização em Sexualidade Humana. Atende em psicoterapia individual e de casal.Contato: [email protected]
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