A ilusão

A ilusão
Autor Carmem Farage - [email protected]
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Amigos,

Nesta última semana, resolvi passear um pouco por Paris. Precisava divagar sobre tudo o que estou vivendo a fim de tomar consciência de mim.

Estar em Paris é um sonho – e aqui estou, vivendo-o. Fui ao meu lugar preferido: aos pés da Madame de Ferro, linda, impávida, estendendo ao mundo seu chamado. E o mundo vem. O mundo vem a Paris, sim, senhor! Posso vê-lo agora!

Sento-me num dos bancos no Champs de Mars, sob uma árvore, num dia abafado de outono, e posso ver o mundo brotar aos borbotões. Pessoas de todas as idades, todas as cores, todos os sonhos.

Sinto vontade de chorar. Vejo um grupo de crianças vestidas com uniformes escolares bem franceses, de boina na cabeça, e que brincam divertidamente sentadas na grama. Riem a valer! Gritam, falam, às vezes correm atrás dos pombos.

Vejo baguettes em profusão! Parece que todo o mundo quer comer uma baguette aos pés da torre Eiffel. Fico aqui sentada um pouco, observando todo esse movimento interminável. Alguns me olham, outros não. Uns sentam-se ao meu lado, outros passam olhando tudo em volta, encantados!

Duas senhoras começam a fumar, espantando-me do banco.

Continuo caminhando e observando pessoas: as japonesas muito bem-vestidas (coloridas e chiques). Comparo-as com as mulheres em geral e me absorvo num pensamento de como as mulheres se preocupam mesmo com aquilo que vestem. Aqui, a gente pode observar de tudo um pouco: as chinesas são mais simples que as japonesas, as russas muito extravagantes, com cabelos coloridos combinando com o colorido das roupas. As africanas, com grandes vestidos estampados e turbantes na cabeça; as muçulmanas, com túnicas, lenços na cabeça e maridos a uma certa distância… Olha! Duas freiras vestidas com hábito e tudo! De onde será que elas são? E os brasileiros, que riem alto e se divertem… são famílias, casais, jovens… aqui tem o mundo todo mesmo!

Penso que aqui me sinto mais livre do que em qualquer outro lugar. Será uma ilusão? Afinal, dei-me conta de que os limites da língua foram o primeiro e grave entrave aos meus desejos de liberdade…

Decido retornar e subir pelos jardins do trocadéro até o Pallais de Chaillot. Enquanto subo, vou matutando sobre os motivos que trazem toda essa multidão aqui. Impossível eu me aprofundar sobre isso; cada pessoa é única.

Mas decido que, independentemente disso, há uma magia que faz com que as pessoas queiram viajar, ou mudar de lugar. Quero saber o que é, de fato, uma ilusão.

A distinção entre realidade interna e realidade externa é uma tarefa que nos consumirá vidas.

A ilusão traz uma sensação de onipotência que aplaca a verdade sobre o que não podemos admitir – nossa impotência diante da existência.

Diante de minha desilusão, preciso analisar minha própria história. Escolhi Paris como se escolhe um objeto de desejo? Winnicott diria que Paris é meu objeto transicional. O objeto transicional, como o próprio nome revela, é um instrumento que suporta nossa falta entre a sensação de incompletude e o desejo de onipotência.

Não entendeu? Vou dar um exemplo simples. Imagine um bebê que está crescendo e precisa se desprender da mãe para se tornar alguém, indivíduo. A sensação de incompletude e impotência é quase insuportável para esse bebê que começa a se ver separado da mãe. Então, ele recorre a um objeto transicional, como a chupeta, os paninhos, os travesseirinhos, etc…, para não se sentir sozinho e desamparado.

Esse modo de nos relacionarmos com a vida permeará nossa existência enquanto formos humanos e, depois de adultos, dependendo da qualidade de vínculos que pudemos viver na infância, lidaremos melhor ou pior diante dos obstáculos que a vida sempre nos trará.

O que estou buscando aqui não posso ainda responder, porém, analisando a ilusão, fico me questionando se estou iludida, fora da realidade, fora da minha rota interna.

É difícil responder sem eu que possa traçar um caminho racional pensando no que nos leva, em geral, às ilusões.

A intolerância ao desprazer, a impossibilidade de adiar a satisfação e uma extrema necessidade de amparo (regressão ao útero materno) fazem com que as pessoas se utilizem de fugas de si mesmas através de drogas, fantasias, compras, viagens em exagero, enfim – tantas coisas hoje nos servem como instrumento de fuga de nós mesmos!

Ilusão é pensar que algo fora de nós, externo e material, poderá nos preencher como pessoa e trazer significado para a vida.

Somos humanos, portanto submetidos à necessidade humana de exercer a onipotência. Diante das barreiras, dos obstáculos da vida, torna-se fundamental que possamos nos sentir fortes o bastante para vencer, tornar-nos fortes, enfrentar a vida.

É bom que seja assim. Temos mesmo que enfrentar obstáculos. Temos que ser capazes disso. E, para lidar com a impotência natural inerente ao ser, precisamos criar instrumentos geradores de força, objetos transicionais, como se fossem pontes.

Qual será, então, a fronteira da ilusão? O que eu preciso saber para decidir se é bom ou se estou me iludindo? Como posso saber que não estou fugindo da vida ao invés de estar criando um instrumento de sobrevivência?

Simples: ilusão é tudo o que nos tira da vida ao invés de nos colocar diante dela.

Se não consigo pagar as contas, se minha conta bancária está sempre no negativo, mas eu quero e compro um carro novo, mesmo me endividando por 60 meses e pagando juros absurdos que terão o custo de cinco vezes o valor original do carro, eu estou me iludindo.

Se estou endividada e ainda assim venho a Paris passear e gastar em euros, estou vivendo na ilusão, fugindo da realidade de que, na volta, terei que lidar com a vida mesmo assim, acrescida das dívidas que fiz ao passear.

Já conheci pessoas que não conseguem sair da casa dos pais, mas gastam todo o salário em roupas, sapatos, bolsas, cerveja, salão de beleza, moto, carro.

Existem nuances entre os exageros que também considero ilusão. Do tipo: faça o que eu falo e não o que eu faço. As instituições estão lotadas de pessoas assim. A palavra vazia é uma forma de ilusão.

Porém, ao contrário, quando utilizamos os instrumentos da vida para crescer, se estou em Paris tentando dar um upgrade na minha vida e agregar experiência, desde que tenha sido planejado e que eu tenha consciência dos riscos que corro, mesmo que eu me depare com o inesperado da vida e tenha que recuar ou mudar os planos, então não é ilusão.

Se não saio da casa dos meus pais, mas estou me estruturando para que a mudança seja feita dentro de um preparo bacana para minha vida, mesmo que eu demore muito para fazer ou que tenha que me deparar com a necessidade de abrir mão de coisas boas por um tempo, isso não é ilusão.

Se comprar um carro do ano ou roupas caras porque sei que alavancam minha imagem pessoal e que isso é importante para que os negócios crescerem, então não é ilusão.

Se pudermos agir com força, humildade e flexibilidade, qualquer sonho pode ser real, bom e nos agregar experiência, que será aquilo de que necessitamos para criar vida.

Fico satisfeita com meus pensamentos e aliviada em poder pensar que, afinal, embora sejam planos bastante arrojados, esses que fiz para mim são sonhos legítimos que podem agregar muitos valores à minha vida.

Está começando a chover e, por sorte, cheguei ao trocadéro. Vou entrar e assistir a alguma exposição.

Boa semana, amigos!

Atenciosamente,

Carmem Farage.

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Conteúdo desenvolvido por: Carmem Farage   
Fundadora do Instituto Lumni, criadora da Terapia Lumni - uma terapia quântica que une ciência e espiritualidade sob a mentoria de Teillhard de Chardin. Psicóloga, Psicanalista, especialista em Regressão de memória, apometria Clínica, Mestra de Reiki Usui Tibetano, especialista em Medicina Chinesa.
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