Qual é a diferença entre consertar, ajudar e servir ?

Autor Rosana Gelernter Ades - [email protected]
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Em agosto de 2002 dei o primeiro passo efetivo em direção à realização de um dos meus sonhos: Aprender a adaptar a massagem terapêutica a pacientes com câncer em um hospital. Após meses de preparativos para estar apta a participar de um curso tão específico como esse – “Massagem terapêutica para pessoas com Câncer” – lá estava eu entrando no avião, rumo ao Oregon, EUA. Como muitas pessoas ultimamente, não aprecio muito estar em aviões, mas desta vez algo maior me guiava e me dava coragem para prosseguir sem medo. Podia sentir uma presença me acompanhando realmente. Meu vôo tinha uma parada em Chicago. Daqui até lá, tudo transcorreu perfeitamente. Deu até para me deitar nas cinco poltronas do avião - o vôo estava quase vazio! Cheguei em Chicago descansada. O aeroporto era imenso e incrivelmente moderno e bonito. Havia luzes de neon de todas as cores, piscando no mesmo ritmo de uma música celestial, enquanto me dirigia através das esteiras rolantes, até a “asa” de conexão para o meu próximo vôo para Portland. Continuei me sentindo guiada e abençoada por estar fazendo esta viagem. O vôo para Portland não poderia ser diferente da primeira escala: céu de brigadeiro, as montanhas majestosas de Wyoming e Montana, e depois, um inesquecível vulcão, o Mount Hood, coberto de neve em pleno verão americano, apontava a chegada à cidade de Portland, no Oregon. Havia chegado ilesa ao meu destino. Ufa!

Meu curso durou apenas 5 dias, sendo que o primeiro encontro com a coordenadora do curso, Gayle MacDonald e as outras sete mulheres de outros Estados americanos aconteceu na Oregon School of Massage, a maior e a melhor equipada escola de massoterapia da cidade. Lá recebemos instruções gerais sobre o câncer, o porquê da metástase, como avaliar a quantidade de pressão sobre o corpo do paciente, de acordo com a contagem de plaquetas e glóbulos brancos, restrições de posição do paciente acamado e precauções universais quanto à higiene ao entrar em contato com o paciente. Também nesse primeiro dia, pudemos conhecer melhor cada uma das participantes do curso. Cada uma contou suas estórias pessoais e como decidiram trilhar o caminho de trabalhar com pacientes em hospitais. Seria impossível nesse momento relatar com detalhes a estória de cada uma, mas posso dizer que todas eram comoventes e de uma certa forma, uma linha invisível contornava nosso lindo grupo: a linha do desejo de servir nossos semelhantes.

Nos dias que passamos juntas pudemos compreender perfeitamente a diferença entre “consertar”, “ajudar” e “servir” alguém. Para a médica e escritora americana Rachel Naomi Remen, ajudar é uma experiência de força, ou seja, quando você ajuda, você usa sua própria força para ajudar alguém mais fraco que você. Esta é uma relação de desequilíbrio e as pessoas sentem esta diferença. Quando eu ajudo, diz ela, eu estou à par de minha própria força e da fraqueza do outro. Ajudar incorre em débito. Quando se ajuda alguém, este alguém acaba por se sentir em débito com você. Quando ajudo, tenho um sentimento de satisfação própria (do meu próprio ego). Quando eu sirvo, tenho um sentimento de gratidão. São coisas bem diferentes. “Consertar” é uma experiência relacionada à maestria e perícia. Servir, por outro lado, é uma experiência de mistério, de rendição e entrega, de reverência.

Um “consertador”, segundo a Dra. Remen, tem a ilusão de estar sendo causal. Um “servidor” sabe que ele ou ela está sendo um instrumento e tem um desejo de ser usado, a serviço de algo maior, algo essencialmente desconhecido.

Servir baseia-se na premissa de que a natureza da vida é sagrada, que a vida é um mistério sagrado que tem um propósito desconhecido. Quando servimos, sabemos que pertencemos à vida e para este propósito. Fundamentalmente, ajudar, consertar e servir são formas de enxergar a vida. Quando você ajuda, você vê a fragilidade da vida; quando você conserta, você vê a vida de forma fragmentada. Quando você serve, você enxerga a vida como “um todo”. Da perspectiva do “servir”, estamos todos conectados: todo o sofrimento é como o meu sofrimento, e toda a alegria é como a minha alegria. O impulso de servir emerge natural e inevitavelmente desta forma de enxergar as coisas.

Finalmente, diz a Dra. Remen, consertar e ajudar são a base do remediar, mas não do verdadeiro curar e/ou cuidar.

Após vivenciar realmente o verdadeiro sentido das palavras acima, pude compreender quão profundas foram as palavras desta médica sábia.

Trabalhei no Oregon Health and Science University, um hospital extremamente bem preparado, tanto tecnologicamente quanto em material humano, para receber pacientes nos mais variados estados e condições. Eu e meu grupo atuamos principalmente nos setores de oncologia geral e transplante de medula óssea, mas também pudemos conhecer o departamento de neonatologia e a sala de espera da UTI, cuidando de familiares de pacientes que estavam sendo operados. Nosso serviço era voluntário nessas unidades, e apesar do hospital já oferecer serviços voluntários de massagem terapêutica há dez anos, as pessoas ainda se surpreendiam com a nossa presença naquele ambiente. Ao perguntarmos aos familiares de pacientes se gostariam de uma massagem nos ombros para relaxarem um pouco enquanto aguardavam, nos olhavam ao mesmo tempo espantados e desconfiados, e diziam: "quanto tenho que pagar"? Outros diziam: "Não sei se devo... minha mãe está sofrendo tanto lá dentro e eu aqui recebendo massagem"... Outros simplesmente sorriam e diziam não, obrigada. Existiam, porém, aqueles que se permitiam o toque e no final ficavam muito agradecidos.

O mais incrível é que havia uma “competição” entre eles, os “recebedores” do toque, e nós, os “servidores”. “Nós é que agradecemos a oportunidade de cuidar de vocês”, dizíamos nós. “Não, eu é que agradeço este carinho e gentileza”, dizia uma senhora de 83 anos, aproximadamente, vindo para a sua visita mensal de acompanhamento na radioterapia, ou o senhor não menos idoso, e que já havia estado em Natal, nordeste do Brasil, na época da 2ª Guerra Mundial. Este senhor não entendia o que uma brasileira estava fazendo lá no Oregon, e só por uma semana. Eu dizia: “vim só para aprender (a servir) e levar esta experiência para o meu país”. Ele me olhava espantado e depois continuava a ler a revista Time daquela semana, enquanto recebia sua infusão de quimioterapia e eu massageava seus pés ao som de música de violão ao vivo (o mais incrível é que a violonista não parava de tocar músicas do Paulinho Nogueira... e outras jóias da música popular brasileira).

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