A religião civil de Rousseau

Autor Rodolfo Fonseca
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 25/06/2025 18:16:45
Na mitologia grega, Atlas foi condenado a sustentar o céu sobre seus ombros, um símbolo poderoso do peso da responsabilidade. Assim como Atlas, o cidadão moderno carrega o fardo de viver em sociedade. Rousseau nos oferece um outro modelo, a religião civil, como o contrapeso que sustenta esse "problema" comum.
Desde o século XVIII, Jean-Jacques Rousseau lançou uma ideia singular em Do Contrato Social (1762): a necessidade de uma "religião civil", um conjunto mínimo de crenças compartilhadas que fortalece a coesão da sociedade e sustenta a vida pública.
Ele argumentava que nem a religião pessoal (como a cristã, que privilegia a outra vida) nem a religião estatal exclusiva (que favorece apenas um grupo) servem ao bem da república. A religião civil é uma terceira via, projetada para:
- Fortalecer os laços sociais (solidariedade);
- Consolidar o respeito pelas leis e pela pátria;
- Evitar divisões religiosas que enfraquecem o Estado.
Rousseau propôs também quatro dogmas básicos: Existência de um Deus benevolente; Vida após a morte; Recompensa dos justos e punição dos maus e a Santidade do contrato social e das leis. E apenas um dogma negativo: intolerância é proibida
Esses eram os pilares dessa fé compartilhada e que formavam um "credo civil" que podia orientar os cidadãos, sem controlar suas convicções privadas.
Embora não obrigue a crença interna, Rousseau admitiu que a negação desses dogmas pode levar à expulsão do cidadão "inso sil" (antissocial). E quem declara fé mas age em contradição poderia, teoricamente, ser punido... uma posição controversa até para os padrões atuais.
Mas por que Rousseau rejeitava o cristianismo organizado?
Ele criticava o cristianismo institucionalizado por criar conflitos de lealdade: ao mesmo tempo ao reino espiritual e ao Estado terrestre. Isso comprometia a unidade pública. Ele via, com temor, as igrejas atuarem como poderes paralelos, ilusões de lealdade dupla.
A proposta de Rousseau inspirou pensadores como Robert Bellah, que identificou uma forma pública de espiritualidade na cultura cívica americana, representada por valores e rituais nacionais. A ideia de um "espírito nacional" continua a influenciar debates sobre identidade, tolerância e responsabilidade cívica.
Vivemos em sociedades cada vez mais diversas. A religião civil torna-se um possível caminho para reforçar valores democráticos, garantir tolerância sem impor uniformidade religiosa e evitar a polarização que nasce da separação entre fé e cidadania.
Contudo, é preciso cuidado: quando mal formulada, pode virar ferramenta de controle, excluindo minorias ou impondo um credo vazio.
Como uma reflexão, Rousseau nos provocou! Ele queria saber como unir crenças individuais e compromisso coletivo?
A religião civil oferece um elo: não exige dogmas profundos, mas exige respeito mútuo e honra ao contrato social, pois existe algo maior que nossas diferenças, um compromisso com a polis, com o bem comum.
Hoje, quando repensamos civismo e diversidade, a lição de Rousseau permanece relevante: somos livres para crer, mas devemos também co-criar uma comunidade onde essa liberdade gera sentido, solidariedade e responsabilidade compartilhada.