O Poder e o Perigo da falta de moral
Autor Rodolfo Fonseca
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 23/12/2025 14:39:35
Imagine ter um anel de poder. Um que te tornasse completamente invisível, livre de qualquer olhar julgador e de toda consequência por teus atos. Como agirias? Esta não é apenas a premissa de uma lenda grega ou de uma obra de fantasia; é o espelho mais revelador que podemos erguer para a nossa própria essência.
Há mais de dois mil anos, na República de Platão, conta-se a história de Giges, um humilde pastor da Lídia que durante um terremoto, descobre uma cavidade no solo com um gigante de bronze oco. Dentro, há um cadáver de estatura colossal usando um anel de ouro. Giges leva o anel e, por acaso, descobre seu poder: ao girar o engaste para a palma da mão, torna-se invisível; ao girá-lo para fora, volta a ser visto.
Com esse poder absoluto de ocultação, Giges não hesita. Ele vai até o palácio real, onde, invisível, seduz a rainha, conspira com ela, assassina o rei e toma o trono para si, sem jamais ser descoberto ou punido.
O mito servia para um debate filosófico ardente: seremos justos por virtude ou apenas por medo de sermos pegos? O interlocutor de Sócrates, Gláucon, argumentava que, com um tal poder, "nenhum homem seria de natureza tão firme" a ponto de resistir à tentação. A justiça, nessa visão, seria uma fachada social.
Mas Sócrates ofereceu uma visão diferente, a de que a verdadeira justiça não é o que fazemos quando observados, mas o estado de harmonia interior da nossa alma. Quem comete uma injustiça, mesmo em absoluto segredo, paga um preço interno altíssimo: a fragmentação, o conflito entre razão, emoção e desejo. A corrupção, portanto, começa de dentro para fora.
Este mesmo princípio ecoa, de forma poderosa, no Anel da obra de J.R.R. Tolkien. O anel não apenas torna invisível; corrói, tenta e escraviza a vontade de seu portador. Olhemos para Sméagol, no momento em que ele usa o anel para um ato egoísta, como um assassinato nas sombras, e sua alma se parte. Ele não se torna apenas um criminoso impune; torna-se Gollum, um ser dilacerado consigo mesmo, um retrato vivo da "alma em tormento" que Sócrates descreveu.
Aqui está a lição central que ambas as histórias nos entregam: o poder não nos transforma; ele nos revela. O anel funciona como um acelerador e um amplificador do que já existe no coração de quem o porta. Ele tira a máscara social e expõe o carácter verdadeiro.
Talvez não tenhas um anel de ouro mágico, mas certamente tens os teus suas próprias situações, onde a vigilância social desaparece e a tua ética intrínseca é posta à prova... sabes onde?
Nos comentários de redes sociais, em fóruns ou em jogos online, onde a identidade se desvanece. A pessoa que crias nessas sombras é mais agressiva, mais desonesta ou mais cruel do que a pessoa que mostras no mundo real?
Ou quando tens poder sobre outras pessoas, como chefe, professor, ou mesmo numa relação e ninguém está a ver como exerces esse poder. Usas-o para construir ou para oprimir? Para servir ou para servir-te?
Ou ainda naquele momento em que podes levar uma vantagem, cometer um ato desonesto ou quebrar uma promessa, com a certeza absoluta de que nunca serás descoberto. O que te impede?
Se o poder revela, então o autoconhecimento é a nossa maior defesa. A proposta socrática não é de vigilância constante, mas de construção interior. Como podemos fortalecer a "alma harmoniosa" que resiste à corrupção?
Faça a pergunta de Giges: Antes de tomar uma decisão, especialmente quando sentires o "poder" do anonimato ou da impunidade e questiona a ti mesmo: "Eu faria exatamente isto se todos que eu amo estivessem a ver?" Esta simples questão traz a luz da consciência para as sombras da oportunidade.
Observe teu Gollum interior, pois todos temos impulsos de cobiça, inveja ou egoísmo. A tentação não é o fracasso; é o material de trabalho. Em vez de reprimir essas sombras, reconhece-as com honestidade. "Sim, parte de mim quer levar vantagem aqui." Ao nomeá-la, retiras o seu poder automático e podes escolher com a tua parte mais sábia.
E busca a recompensa interna, praticando atos de integridade pelo simples bem-estar que trazem à tua própria consciência. Sente aquela leveza de cumprir uma promessa secreta, a paz de devolver algo que não te pertence, a força de dizer a verdade quando uma mentira seria fácil. Esta é a "felicidade do justo" que Sócrates descreveu.
No final da jornada, tanto Giges como Gollum são escravos. O primeiro, do seu próprio desejo sem freio; o segundo, do objeto que prometeu poder. A verdadeira liberdade e o verdadeiro poder, segundo a sabedoria ancestral deste mito, residem no oposto: na autonomia interior.
Uma pessoa com a alma em harmonia não precisa que a vigiem para agir com bondade. Ela não cobiça o anel da invisibilidade porque não vive uma performance para os outros. A sua justiça e a sua força emanam de dentro, constituindo um reino interior que nenhum poder externo pode corromper ou usurpar. Pense!









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