O preço da catarse

O preço da catarse

Autor Rodolfo Fonseca

Assunto Autoconhecimento
Atualizado em 10/12/2025 11:58:17


Criada e dirigida por Dallas Jenkins, é a primeira série de televisão de várias temporadas sobre a vida de Jesus Cristo. Lançada em 2019 após um episódio piloto em 2017 e financiada via crowdfunding recordista, a série se distingue por sua abordagem humanizada e relacional. Ao invés de focar apenas no divino, ela preenche as lacunas bíblicas com licenças criativas, mostrando os discípulos como pessoas falíveis e "relacionáveis", e retratando Jesus de uma forma mais acessível e contemporânea. É essa característica, a de apresentar uma narrativa altamente dramatizada e emocionalmente engajadora, que a tornou um fenômeno global.

A conversão massiva de espectadores de The Chosen por meio da emoção e da excelência audiovisual é um fenômeno que merece análise sob a ótica do autoconhecimento. Acredito que esse sucesso revela uma profunda exaustão existencial na sociedade moderna: a busca desesperada por um roteiro pronto que nos poupe do fardo de criarmos nosso próprio sentido.
De certa forma, essa conversão induzida é uma especie de rendição à passividade; uma fuga da liberdade que o ceticismo oferece. O indivíduo troca a árdua jornada do autodescobrimento pela ilusão de um "destino pré-escrito", confortável e validado por uma produção de streaming de alta qualidade...

Bom, penso que o ceticismo não é apenas a negação de dogmas; é o reconhecimento corajoso de que o universo não possui um manual de instruções nem um guia benevolente. Mas essa ausência impõe a maior das responsabilidades: a liberdade radical de definir seus próprios valores e seu propósito.
Enquanto isso, o Jesus da Netflix oferece um atalho emocional para evitar você sentir essa responsabilidade.
O espectador confunde a catarse dramática -o alívio psicológico de se identificar com o sofrimento e a redenção de personagens- com o conhecimento objetivo. A subjetividade da emoção anula a necessidade da objetividade da prova.
A série, ao atribuir todos os eventos a um plano divino, sutilmente retira a análise moral do indivíduo. Sua conversão pela emoção permite ele declarar: "Não fui eu que escolhi; fui eu que fui encontrado."
Pra mim isso anula a necessidade de uma escolha consciente baseada na avaliação crítica.

O sucesso de The Chosen reside em sua capacidade de preencher o vazio existencial deixado pela modernidade secular. O personagem higienizado da série oferece um personagem totalmente compreensível, sem as contradições morais ou históricas dos textos originais. Isso, de certa forma, dificulta o exercício do pensamento crítico e o esforço de contextualização histórica.
A série também simula uma comunidade acolhedora (os discípulos), oferecendo um antídoto narrativo para a solidão moderna. O indivíduo adere a um sistema de pertencimento validado e pop.

A utilização estratégica da dor e da violência (a crucificação) não visa a reflexão, mas a coerção emocional. O espectador é forçado a sentir uma dívida impagável, em vez de ser incentivado a descobrir seu valor intrínseco.
A fé que exige que o indivíduo seja quebrado para ser salvo é o oposto da liberdade existencial, que exige que o indivíduo se aceite inteiro, com todas as suas dúvidas e fraquezas, para então agir e construir. A série vende uma solução mágica, desviando o olhar das soluções políticas, científicas e pessoais que requerem esforço humano, conhecimento e coragem.

Ao aceitar este roteiro cósmico e pré-formatado, o convertido renuncia ao desafio do autoconhecimento. A tarefa mais difícil da vida -enfrentar a própria finitude e construir sentido em um mundo indiferente- é trocada pela certeza reconfortante de que "tudo tem um plano". Um cético, em contraste a essas idéias, diria... "Não há plano, e isso nos torna infinitamente mais importantes."


O fenômeno The Chosen serve como um poderoso lembrete da fragilidade humana diante da vastidão da liberdade. Quando a liberdade se torna insuportável, o conforto da servidão a uma narrativa pronta se torna atraente.
Para o cético e para o humanista, a verdadeira ética da existência é aceitar que não há roteiro. O caminho para o autoconhecimento não passa por uma tela de streaming, mas pela decisão consciente de enfrentar a realidade sem filtros, de escolher seus valores e de se autodefinir a cada instante. É na recusa do conforto da ficção que reside a dignidade da consciência e a plenitude da vida livre.

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