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A generosidade é uma prática do desapego

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 26/11/2004 12:08:20


Não vejo diferença entre estar no ano 2000 ou no ano 900.
Os números são só uma forma de contar o tempo.
Se todos os dias a gente fizer coisas boas a mais e coisas ruins a menos,
vai ser possível a gente se libertar do sofrimento antes de o século terminar.

Lama Michel Rinpoche, aos 13 anos.

A primeira prática da travessia é a (Do Sânscrito: Virtude Transcendente (lit. Tendo atingido o mais distante)) Paramita(*) da Generosidade.

Segundo a filosofia budista existem quatro formas de generosidade:
- Partilhar os ensinamentos que geram paz interior da forma adequada à mente e à cultura das pessoas, sem esperar pagamento ou recompensa.
- Oferecer coisas materiais, como nosso corpo e nossos recursos.
- Oferecer proteção, consolo e coragem. Podemos proteger os outros de perigos de outros humanos, de não-humanos e dos elementos.
- Oferecer amor (oferecer incondicionalmente aos outros nosso tempo, apoio emocional, energia positiva e boas vibrações).

A generosidade é o antídoto da avareza. É o melhor investimento contra a pobreza emocional e material futura. Por meio da generosidade nos abrimos para a vida, perdemos o medo de nos comunicar.

Desenvolver a habilidade de sermos generosos é um ato de grande auto-estima.

Durante uma sessão de psicoterapia, uma paciente me perguntou nervosa: “Mas, afinal de contas, o que é generosidade?”. No impulso respondi: “É a disponibilidade que temos de compartilhar nossa abundância”. Então, com um tom de voz frustrado, ela me disse: “Se eu estou sempre na falta, nunca vou poder ser generosa?”. Então, conclui: “Bom, só podemos dar o que temos, senão seria como fazer milagres com o santo do outro. Mas não medimos nossa generosidade por nossas posses, mas pela disponibilidade de compartilhá-las”.

Existe um limite para a generosidade, já que, em termos concretos, não podemos oferecer tudo. No entanto, internamente, devemos, sem hesitação, estar sempre abertos a doar. Nós temos sempre algo para oferecer aos outros, mesmo que estejamos nos sentindo carentes.

Lama Zopa Rinpoche quando nos visitou em São Paulo, ficou impressionado com a quantidade de crianças carentes pedindo esmola na rua. Então, ele me disse: “Em geral dizemos para os pedintes: ‘Desculpe, eu não tenho nada para te dar’. Seria melhor sorrir e se calar mantendo internamente um estado de querer oferecer alguma coisa, mesmo que concretamente você não lhe dê nada. Se você desejar que ele possa sair do sofrimento, já estará lhe oferecendo algo de positivo”.

A prática de dar e receber ao mesmo tempo

A disponibilidade interna de oferecer algo está totalmente ligada à nossa auto-imagem. Na realidade, nós vivemos muitos conflitos em torno da prática de dar e receber. Muitas pessoas preferem dar a receber; outras, ao contrário, preferem receber e acham que nunca têm nada para oferecer. Quando nos alegramos verdadeiramente com algo que recebemos ou quando alguém está de fato feliz em nos oferecer alguma coisa, uma energia muito particular de alegria intensa é gerada. Por quê? Porque neste momento dar e receber ocorrem simultaneamente. São poucas as vezes que isso, de fato, acontece.

Isto me faz lembrar quando recebi as instruções de Lama Gangchen Rinpoche sobre o uso de suas pílulas abençoadas, conhecidas como “as pílulas de recuperação da energia das (Vontade de atingir a Iluminação para o beneficio de todos os seres viventes) Bodhichittas(*) branca e vermelha”. Essas pílulas são usadas na medicina tibetana. São feitas de ervas e pedras preciosas, uma receita muito antiga da linhagem de Lama Gangchen. A produção das pílulas requer um conhecimento muito preciso sobre influência das estrelas e dos planetas no crescimento e colheita das plantas medicinais. Normalmente elas são colocadas em um creme ou na água, que funcionam como o veículo para sua energia sutil, e são usadas nas (A composição material dessas pílulas possui uma estrutura similar e compatível à estrutura do corpo humano. No entanto, o que lhes dá o poder de cura é gerado pela sabedoria, compaixão e habilidade mental do Lama Curador, que caracteriza a mente desperta de um mestre. Para realizar isso, ele entra num estado meditativo no qual corporifica diferentes aspectos do Buddha, como o Buddha da Medicina. Então o Lama Curador transpõe a sua faculdade desperta para qualquer veículo suscetível, servindo de meio de cura: podem ser as pílulas, a água, a respiração, a voz, a saliva, suas próprias mãos, fórmulas mântricas, seus pensamentos e visualizações”. Lama Gangchen Rimpoche, Autocura I, Ed.Gaia, p.75) bênçãos(*). Naquela ocasião, Lama Gangchen me disse: “O poder destas pílulas está em sua força sutil. Basta passar os dedos sobre elas e pegar um pouco do creme. O poder delas jamais se extingue, pois elas são capazes de dar e receber energia ao mesmo tempo, ao contrário dos ocidentais que quando estão dando não pensam que podem receber e vice-versa”.

Uma boa maneira de treinar a mente a oferecer algo com verdadeira generosidade, isto é, livre de qualquer sensação de apego ao objeto oferecido, e da idéia de receber alguma recompensa por este ato, é fazer oferendas de água num altar. Segundo a tradição budista, oferecemos água para aos Buddhas com os quais realizamos a prática de meditação. Não fazemos oferendas aos Buddhas porque eles necessitem delas, mas sim, para criar um potencial positivo e desenvolver nossa mente.

Em geral, temos muito apego, somos mesquinhos: ficamos com o maior e o melhor e damos para os outros somente o que não queremos mais. Por isso, sempre nos sentimos pobres e insatisfeitos. E sempre tememos perder o que temos. É para quebrar esses hábitos destrutivos causados pelo apego, que fazemos a prática das oferendas.

Oferecer a água é um bom treino para a verdadeira generosidade porque como ela é quase sempre acessível e abundante, podemos oferecê-la sem nos contaminar pelo sentimento de perda, tão comum quando temos apego por aquilo que estamos oferecendo. Após abençoar, com mantras e visualizações, os potinhos de água, não devemos vê-los como simples objetos, mas sim transformados na beatitude da sabedoria transcendental. No final do dia, podemos jogar a água dos potes sobre plantas para abençoá-las. Uma vez vazios, os potes devem ser colocados de lado, apoiados uns sobre os outros, e não emborcados.

Texto extraído do “O livro das Emoções - Reflexões inspiradas na Psicologia do Budismo Tibetano” de Bel César, Ed. Gaia.


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bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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