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O reino dos semi-deuses

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 02/09/2005 12:08:19


Quando tomados pela inveja perdemos a capacidade de dar e receber

Durante as últimas semanas estudamos a visão psicológica da roda da vida segundo o budismo tibetano, isto é, os padrões emocionais dos seis reinos de existência presos ao sofrimento. A visão psicológica desses reinos é a manifestação da nossa psique de acordo com os padrões sob os quais interpretamos o que vemos do mundo à nossa volta.

Refletir sobre estes padrões de dor e constante sofrimento, nos ajuda a compreender a natureza do sofrimento: como ele surge, é sustentado e pode ser transmutado.

Os semi-deuses, também chamados Asuras, são seres que gostariam de ser deuses (Devas), porém, na realidade, não o são. Assim como diz a expressão em italiano “Vorrei, ma non posso” (gostaria, mas não posso), eles são tomados pela sensação se estar quase lá, e logo se dão conta que não chegaram a lugar nenhum. Até parece aquele milho pendurado na frente do burro que o faz seguir adiante, mas o pobre coitado jamais o degusta.

Deva vem da raiz sânscrita div, que significa resplandecer, brilhar. Devas são seres de luz, são deuses. Sura, significa também ser de luz, ser que brilha, deus. O prefixo “a” colocado na frente da palavra sura indica “ausência de”: aquele que pode até ter o poder, mas não sabe usá-lo adequadamente.

O reino dos semi-deuses localiza-se logo abaixo do reino dos deuses. Na iconografia da roda da vida, estes dois reinos são representados como um só, dividido apenas por uma grande árvore - a árvore que concede a realização de todos os desejos. Os semi-deuses passam o dia ocupando-se de cuidar desta árvore, que, por ironia, só dá seus flores e frutos na altura do reino dos deuses!
Então, todos os seus esforços são diariamente desperdiçados. Por isso, eles sofrem de muita inveja ao testemunhar os privilégios da vida dos deuses. Cabe aqui lembrar que aquele que sofre de inveja, nem imagina o quanto o invejado também sofre...

Além do mais, quando os deuses comem os frutos da árvore dos desejos, eles cospem os caroços no ar, que acabam por atingir os semi-deuses como balas perdidas que os ferem. Isso lhes desencadeia ainda mais raiva. Mas eles simplesmente não desistem: acreditam que um dia irão vencer os deuses. Por isso vivem em guerra permanente com eles, mas sempre perdem.

Os semi-deuses são aqueles que se sentem mais fortes diante dos fracos e, mais fracos diante dos fortes. Por isso estão movidos sempre por uma força destrutiva. Querem saber sempre mais que os outros. Ao perceberem que alguém sabe mais do que eles procuram logo colocá-lo numa situação constrangedora para que possam encontrar uma forma de depreciá-lo.

Neste sentido, a visão psicológica do reino dos semi-deuses está contaminada pela suspeita que desencadeia um sentimento de paranóia crescente. Devido ao medo de perder o reconhecimento social, o poder e a fama, desconfiam de tudo e de todos.

Os textos budistas descrevem os asuras masculinos como seres extremamente feios. Eles são cruéis e furiosos. São tão orgulhosos de si mesmos que relutam em aprender e praticar os ensinamentos que os ajudariam a sair do sofrimento. Afinal, eles adoram lutar, pois são viciados no espírito da competição. Por isso, não lhes interessa livrar-se da raiva.

Os semi-deuses podem até ser tão ricos quanto os deuses, mas como estão sempre se comparando com eles, focam suas mentes apenas no que ainda "não possuem" e "não são". De modo semelhante, a inveja impede-os de gozar a própria riqueza. Obcecados pela competição, vivem um estado de luta constante para atingir a perfeição de um deus. Assim, tornam-se vítimas de suas próprias avaliações inatingíveis, pois reconhecem seu progresso apenas por meio da comparação com os outros seres superiores a eles. A preocupação de ser sempre o melhor, de serem sempre donos da situação, faz com que eles sejam cada vez mais inseguros e ansiosos.

Assim como escreve Martin Lowenthal em O coração Compassivo (Ed. Pensamento): “O mais paradoxal na competição é que queremos validar o nosso valor pessoal acima de qualquer comparação, mas comparando-nos com os outros”!

A competição nos distancia dos outros, pois ela é uma ação contrária à empatia, ao entendimento, ao desejo de gerar harmonia nos relacionamentos.

Assim como escreve Heloisa Gioia em seu livro Um caminho Iluminado (Ed. Cone Sul): “A ética em um asura é duvidosa. Quando não pode lutar de frente, ataca pelas costas, pois para ele qualquer meio é válido, desde que se livre do inimigo. Sua espiritualidade e seu bom coração estão abalados. Torna-se cada vez mais difícil a troca energética de ajuda mútua entre as pessoas. Diminui sua facilidade em dar e receber. Mesmo que receba ajuda, ela fica comprometida, pois é recebida com a desconfiança sobre as reais intenções envolvidas. Desconfia que ali, naquela ajuda, há veladas intenções para invadir-lhe o território. Em compensação, se não recebe, utiliza este fato para rotular o mundo de egoísta, justificando a sua própria atitude de egoísmo”.

Para sair deste padrão de paranóia e desconfiança gerado pelo espírito da competição, precisamos recuperar a lucidez: olhar de frente para cada situação, sem deixar-se levar pelo desejo imediato de manipular a situação para proteger-se antecipadamente do que quer que possa vir.

Ao passo que, nos conscientizando do quanto estamos presos no padrão emocional de desconfiança do reino dos asuras, poderemos nos encorajar a abaixar as nossas defesas em prol de relacionamentos baseados na troca e no companheirismo.

Izabel Telles certa vez me passou um exercício de imagens mentais para limpar o sentimento de desconfiança, de forma que uma reprogramação positiva seja gravada em seu inconsciente.

Sente num ambiente calmo e tranqüilo. Os pés devem estar firmes no chão, as mãos colocadas sobre as pernas e os olhos fechados do começo ao fim. Respire três vezes vagarosamente para conseguir um estado de tranqüilidade e ponha sua atenção na intenção deste exercício: reconciliar-se com o universo externo.
Izabel Telles aconselha: repita o exercício por 3 ciclos de 21 dias, respeitando um intervalo obrigatório de 7 dias entre cada ciclo.
E agora... veja, sinta ou imagine uma menina numa calçada que tem nas mãos um objeto: seu brinquedo ou um animalzinho de estimação. O que a sua imaginação quiser.

Observe esta menina: ela está inocentemente encostada no muro da calçada carregando seu objeto de estimação enquanto observa docemente o mundo a sua volta.

Respire uma vez e veja que se aproxima dela um adulto para quem ela entrega seu objeto de estimação.

Respire mais uma vez e veja, sinta e imagine que este adulto aceita amorosamente o objeto que ela lhe ofereceu.

Ele abaixa-se para ficar da mesma altura e tira do seu bolso direito de sua calça alguma coisa que ela gosta muito e lhe dá algo em troca do objeto de estimação que recebeu.

Ela percebe, então, que o que ela fez não foi dar, mas trocar. E fica imensamente feliz com o que recebe deste homem.

Eles se olham um para o outro e sentem que há um pacto entre eles: uma profunda ligação de troca e amor.

Respire mais uma vez e veja, sinta e imagine que eles se aproximam da maneira mais confortável para ela.

Respire outra vez e volte a observar a criança com o objeto que ganhou entre as mãos e agora veja o olhar de satisfação ela que ela dá para você.

Sentindo esta satisfação e reconexão com o entendimento, respire a abra os olhos.



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bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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