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Quando o toque nos une e silencia as palavras

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 21/07/2003 12:03:04


Trabalho com pacientes que enfrentam a morte desde 1991. Apesar de jamais saber de antemão o que irá ocorrer a cada encontro, uma coisa é certa: haverá um momento em que ficaremos de mãos dadas.

Este ano tive a honra de acompanhar o processo de morte de um senhor de 60 anos muito sensível e espiritualizado. A cada vez que o visitava, recebia uma mensagem que refletia diretamente em minha vida.

No primeiro dia que fui vê-lo, ele apenas olhou-me e disse: “Você é bonita, gostei de você, mas hoje estou muito cansado. Você pode voltar amanhã”?

No dia seguinte, ao entrar no seu quarto escuro e silencioso, encontrei-o sonolento, mas consciente. Deixei as luzes apagadas e coloquei um Cd com um mantra budista conhecido por “Sutra do Coração”´(Heart of Perfect Wisdom – On Wings of Song & Robert Gass). O arranjo musical desta gravação é suave e evoca um sentimento de calma e profundidade.

Assim que me aproximei, ele pegou minha mão e colocou-a sobre o seu coração. Assim ficamos, em silêncio, durante os 29 minutos e 55 segundos de duração desta gravação. Várias vezes ele me pedia apenas para ajeitar as suas pernas, muda-las de posição ou para ajuda-lo a tomar um gole de água com o canudo. Depois segurava novamente minha mão sobre o seu coração.

Eu me sentia cada vez mais relaxada e presente. Como num estado de meditação, quando surge o alívio de sentir a mente descansada finalmente estamos “aqui e agora com o outro”. Ao final, ele apenas me disse: “Obrigada, há quarenta dias que eu não sentia ser capaz de transmitir a minha energia para uma outra pessoa. Você soube recebe-la. É uma energia que eu trago do fundo da Terra”.

Ram Dass, escreve no livro “Conhecendo a Alma” ( Eliot Jay Rosen. Ed. Best Seller): “Quanto mais mergulho nesse trabalho, mais percebo que o processo da morte envolve encontrar outra pessoa em um lugar sem fronteiras, onde “encontrar” dissolve-se em “estar juntos” e depois “ser um”. Nessa percepção sem limites, dois tornam-se um, o que é uma expressão e uma manifestação da mais alta forma de amor. Tento manter minha consciência aberta, de modo que a pessoa que está morrendo possa conectar-se com ela. A consciência da pessoa, então, entra no que eu chamo de espaço de não-morte. Se há alguém lá para encontrá-la, pode acontecer uma percepção compartilhada que é muito bonita. O contato às vezes é incrível! É uma verdadeira dádiva ficar ligado dessa forma a uma pessoa que está morrendo, porque isso ajuda a criar um ambiente que lhe dá apoio enquanto ela faz seus íntimos preparativos espirituais”.

Até o dia de seu falecimento, durante um mês, tivemos vários encontros. Num deles levei um amigo para que ele pudesse conversar sobre um assunto que lhe interessava. Ao vê-lo, segurou a sua mão disse-lhe docemente: “Quando a gente toca alguém é porque queremos nos abrir para conhecê-lo”. Mensagens que guardamos em nosso coração para viver melhor nossos relacionamentos. Tocar com esta intenção é transmitir o que as palavras não podem comunicar. É como uma bênção: transforma nossa mente positivamente.


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bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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