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Sobre a vergonha de si mesmo

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 15/09/2003 10:58:59


Quem já não sentiu vergonha de si mesmo? Uma sensação de ter sido flagrado fazendo algo que não é aceitável. Secretamente, sabemos que falhamos onde não imaginávamos errar. Em nosso interior, escutamos uma voz que nos diz ser inadmissível agirmos “assim”. A reparação do erro nos ajuda a aliviar a vergonha. Mas se nos deixarmos levar por este sentimento de profunda inadequação, vamos correr o risco de nos distanciarmos de nós mesmos. Quando a vergonha surge, queremos fugir e nos esconder. No entanto, será justamente ao encará-la que ela poderá desaparecer!

Buscamos nos esconder porque estamos tentando nos proteger de uma eventual punição. Quanto maior o medo da punição, maior o sentimento de vergonha. Se continuarmos fugindo e não encararmos a vergonha, passaremos, sem nos dar conta, a evitar toda situação que nos remeta a sentir vergonha. Como resultado, aos poucos, nos sentiremos tímidos e frágeis sem saber o porquê.

A vergonha de si mesmo é, portanto, um sintoma de não-aceitação de uma auto-imagem. Sofremos de um contínuo sentimento de “não sermos ainda quem deveríamos ser”. Em outras palavras, sentiremos vergonha enquanto não desenvolvermos a habilidade de reconhecer e aceitar, com compaixão, nossos próprios limites.

Para não ficarmos presos à cobrança interior, podemos nos conscientizar de que a atitude de identificar nossas falhas faz parte, simplesmente, de qualquer processo de crescimento interior. No entanto, se não estivermos comprometidos com a decisão de evoluir internamente, reconheceremos nossas falhas como uma sentença de condenação: “Se não sou capaz, jamais serei”.

O psicoterapeuta budista Mark Epstein escreve, em seu livro “Continuar a Ser” (Ed. Gryphus): “O grosso da minha função em psicoterapia consiste em trabalhar com esse sentimento de 'Eu não sou' de uma forma ou de outra. É o principal bloqueio psicológico a uma realização espiritual”.

Enquanto não reconhecermos nossos limites, estaremos tentando nos enganar. Perceber nossos erros e limitações é, portanto, um modo de parar de nos enganar. Por isso, na próxima vez em que você sentir vergonha, procure parar para escutar o que você se diz enquanto se sente mal. Serão frases indicadoras das áreas onde temos receio de perder a admiração por nós mesmos. Quem já não se decepcionou por ter se colocado numa determinada situação que o fez se sentir frágil e indefeso?

A vergonha é uma tentativa de não olharmos para nossas fragilidades, pois em nosso sistema de crença interior, acreditamos ser incapazes de lidar com elas. Quando nos sentimos insuficientes, sentimos vergonha. O sentimento de não-ser quem deveria ser surge, neste momento, de forma maciça.

Todos nós carregamos nosso ideal de Ego: uma esperança de autogratificação por meio da auto-admiração. Quem esperamos ser para, então, sermos felizes? Isto é, o que reforça nosso sentimento interior de potência e auto-realização?

Nossa capacidade de auto-admiração nos ajuda a encontrar inspiração e força para seguir adiante em nossas realizações. É importante, portanto, nutrirmos continuamente a admiração por nossas capacidades. Mas, se ficarmos presos à necessidade de apenas nos auto-admirarmos, estaremos nos condenando a sentir vergonha a todo o momento!

Aceitar a não-aceitação de si mesmo é o antídoto da vergonha. Portanto, o melhor é começar por aceitar o ponto onde nos encontramos.

A monja budista Pema Chödrön, em seu livro “Comece onde você está” (Ed. Sextante), sugere a prática de meditação Tonglen como método para nos ajudar a entrar em contato com a abertura e suavidade do próprio coração.

Nesta prática, iremos inspirar uma fumaça negra, e convidar para nosso interior todo e qualquer sentimento de vergonha, o nosso próprio e dos outros, e, ao expirar, emanaremos luz e calor para onde quer que haja este mesmo sentimento de vergonha.

Pema Chödrön escreve: “Protegemos nosso coração com uma armadura tecida com o hábito muito arraigado de afastar a dor e agarrar o prazer. Quando começamos a inspirar a dor, em vez de afastá-la, passamos também a abrir nosso coração ao que é indesejável. Nosso relacionamento direto com as áreas de nossa vida de que não gostamos ventila o ambiente abafado do ego. Da mesma maneira, quando abrirmos nosso coração trancado e deixamos sair o que é agradável, irradiando para o exterior e compartilhando, também reverteremos completamente a lógica do ego, o que significa reverter a lógica do sofrimento.”

Quando adquirirmos uma maior aceitação de nossa auto-imagem iremos aceitar melhor também os limites alheios. Em outro trecho do mesmo livro, Pema Chödrön escreve: “Se estivermos dispostos a deixar de lado o enredo pessoal, sentiremos exatamente o que os outros seres humanos sentem. Todos nós compartilhamos os mesmos sentimentos. Nesse sentido, se fizermos a prática de forma pessoal e autêntica, ela despertará nossa sensação de afinidade com todos os seres humanos”.

Numa palestra em Milão, o mestre budista Lama Michel Rimpoche nos levou fazer a seguinte pergunta: “O que de fato me fez sofrer nestes últimos anos?”. Em seguida disse: “Não precisamos ser apenas o resultado de nossos hábitos, podemos ser algo a mais, sair do automatismo e ser livres deles. Esse é o verdadeiro modo de ser generoso consigo mesmo, oferecer-se um novo olhar”.


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bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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