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Um mundo de gêmeos

por Adília Belotti em Espiritualidade
Atualizado em 23/06/2006 12:16:25


Já reparou como existem cada vez mais bebês gêmeos por aí?
É... a gente já sabia que essas modernas técnicas de fertilização – as fecundações in vitro – aumentavam muitíssimo a probabilidade de uma gravidez múltipla. Mas me espanto ao descobrir que, se em uma gravidez natural a chance de você ter gêmeos é 1 para 80, no caso da gravidez que é resultado de uma fertilização in vitro as chances pulam para 4 em cada 10!!!

O Inserm, Instituto Nacional de Saúde da França, avisa que lá as estatísticas apontam para um aumento de 30%!!! E meu espanto cresce ainda mais quando leio que muitos pais já chegam no médico “encomendando” gêmeos para evitar o trabalho e o esforço financeiro que representam várias gestações de laboratório... Faz sentido, né?

Parece que nos EUA isso já está na pauta das reflexões das revistas semanais. A matéria de capa da New York desta semana, por exemplo, fala exatamente desta proliferação de partos múltiplos. Eu só não tinha parado para imaginar um mundo povoado de gêmeos... Tampouco havia pensado no que isso poderia significar.

E mesmo considerando a informação da nossa leitora Anik, de que apenas as taxas de gêmeos bivitelinos, ou seja, não-idênticos, têm aumentado e que os gêmeos univitelinos ainda são "um raro capricho da Natureza", fiquei me perguntando: será que estamos nos preparando internamente para lidar com essa história de duplos, de únicos, de diferentes e de semelhantes, de eu e de outros? Aí, viajei pra bem longe das estatísticas...

O fascínio dos gêmeos
Desde que os clones entraram na agenda de discussão do mundo, sempre que penso em gêmeos imagino como a natureza é tão mais ousada do que nós: nenhum clone é mais clone do que os gêmeos idênticos. A Natureza já previa criaturas absolutamente iguais. Absolutamente? Aí é que está o problema. Até que ponto nós, qualquer um de nós, é realmente único? E até que ponto, somos um coletivo que ninguém ainda entende muito bem? Como é que, em geral, a gente está acostumado a lidar com as diferenças e semelhanças entre nós?

Os gêmeos são uma das mais poderosas expressões destas indagações e sempre provocaram o assombro dos povos primitivos. Entre os índios da América do Sul, por exemplo, são muitas as histórias de gêmeos-heróis que dão origem ao Universo. Apesar disso, algumas tribos exigiam que o segundo gêmeo fosse morto ao nascer, assim, a alma não precisava se dividir entre os dois. Nos mitos e nas lendas de tantos povos, ora eles aparecem como inimigos mortais - um luminoso e outro escuro, um bom e um mau, como os irmãos bíblicos Caim e Abel - ora eles são amigos inseparáveis e ajudam a criar a civilização, como os gregos Castor e Polux, ou os alegres Ibejis do candomblé.

O fenômeno dos gêmeos deu mesmo o que pensar aos nossos ancestrais... Que imagem melhor de nós mesmos partidos ao meio, cindidos entre nossos conflitos mais íntimos, indecisos entre o céu e o inferno? O poder e o fascínio que os gêmeos exerciam sobre nossos bisavós nasciam não apenas da sua semelhança, mas das suas diferenças. Por isso, eram símbolos vivos da situação humana diante da dualidade: iguais e diferentes, a um só tempo o Mesmo e o Outro.

Nossa aflição diante da dualidade que vemos no mundo e em nós mesmos é atiçada todas as vezes em que somos colocados diante de polaridades. Na prática, infindáveis vezes por dia. Até a linguagem que usamos é impregnada de antíteses: ninguém fala “bom” sem imaginar, ainda que inconscientemente um “mau”. E não há vida sem morte.

Os chineses há milênios expressaram visualmente a dualidade da existência humana no símbolo do ta’i chi. É um círculo dividido ao meio por duas formas curvas, uma escura e uma clara. Às duas formas que se abraçam, os sábios da China deram os nomes Yang e Ying, os opostos que contêm em si todos os outros, os que conhecemos e aqueles que ainda nem sonhamos existirem, os que já domesticamos e aqueles que nos assombram as noites e para os quais não temos nenhuma resposta outra que nosso espanto. A noite e o dia, acima e embaixo, o bem e o mal, todas polaridades que servem como combustível para o motor do Universo. Pecados e virtudes, certos e errados, tudo nasce nesse círculo.

O símbolo do ta’i chi, no entanto, apesar de absurdamente descomplicado, tem a marca da sabedoria chinesa. Dentro da forma escura tem um pingo claro e a forma clara abriga um pingo negro.

Todas as coisas contêm em si seu contrário e é isso que permite a mutação de uma na outra. Dizem que foi Confúcio que, diante de um rio, falou: “Tudo segue fluindo como esse rio, sem cessar, dia e noite”. Quem percebe isso, segundo Richard Wilheim, que traduziu o I Ching chinês para a língua inglesa, “fixa sua atenção não mais sobre os entes transitórios e individuais, mas sobre a imutável e eterna lei que atua em toda a mutação. Essa é a lei do Tao”.

Afinal, eu sou eu ou sou o outro?
Com este pano de fundo simbólico, dá para sentir que é no mínimo difícil estabelecer regras para compreender o relacionamento entre irmãos gêmeos... como sugere a terapeuta francesa Christiane Charlemaine, autora de um livro recém-lançado na França, Guide des Jumeaux, “nascer em um mundo de ‘únicos’ que não compreenderão nunca o que significa realmente ser ‘múltiplos’ não é nada fácil.

Os gêmeos já nascem sabendo que existe o ‘outro’, os ‘outros’...” já chegam imersos na dualidade de todas as coisas...

Independente dos aspectos pedagógicos que, com certeza, devem refletir essas peculiaridades, em um mundo de gêmeos encomendados e de clones, em tempos de mudanças de paradigmas e de vácuos enormes de valores compartilhados, vale a pena a gente parar cinco minutos para refletir sobre a nossa capacidade de conviver com diferenças e semelhanças. Se o outro nos assusta ou nos ameaça talvez devamos buscar em nós as razões. Com certeza, vamos achar lá dentro o pingo escuro (ou claro) que reflete o outro. Vamos encontrar humildade para equilibrar arrogância, vamos achar tolerância para compensar nossa ignorância, vamos exercitar a compaixão para neutralizar nosso medo.

Talvez seja essa nossa única chance de fazer as pazes com esse outro, esse duplo de nós que nos fascina e nos assusta, tão igual, tão diferente...e quem sabe por aí, a gente possa preparar um mundo mais acolhedor para os bebês únicos, gêmeos, trigêmeos, múltiplos e multidão que estão chegando...

Para ler mais:
I Ching, o livro das mutações, Editora Pensamento
Previsões, organização de Sian Griffiths, Editora Record
A mente desconhecida, John Horgan, Companhia das Letras
Tao te king, Lao Tse, Attar Editorial
Le guide des jumeaux: La conception, la grossesse, l'enfance de Jean-Claude Pons e Christiane Charlemaine
Manual do bebê, de Ruy Pupo Filho, editora Alegro
Criando filhos gêmeos, Patricia Maxwell Malmstrom, M. Books
Meus filhos gêmeos, Dulce Marcondes Machado, editora Almed
Sobre fertilização assistida



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adilia
Adília Belotti é jornalista e mãe de quatro filhos e também é colunista do Somos Todos UM.
Sou apaixonada por livros, pelas idéias, pelas pessoas, não necessariamente nesta ordem...
Em 2006 lançou seu primeiro livro Toques da Alma.
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