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Está chegando a era da Passividade Masculina

por Flávio Gikovate em Psicologia
Atualizado em 29/07/2005 13:01:50


Temos sido atropelados pelas novidades tecnológicas e também pelas mudanças nos costumes. Antigamente, havia os grupos minoritários, os precursores, quase sempre constituídos por artistas plásticos, músicos e intelectuais. Hoje a situação se inverteu, de modo que nós – os que deveríamos estar propondo as inovações – temos tido de correr para explicar os fatos que já aconteceram.

Assim, não fomos nós, os profissionais de psicologia com bons conhecimentos em questões sexuais, os que introduziram o conceito de “ficar”. Foram os meninos e as meninas de 13 e 14 anos os que inventaram a moda. Só fomos informados de que nossos filhos “ficavam” alguns anos depois. Ficamos horrorizados e hoje achamos tudo muito natural. Este episódio do “ficar” me mostrou que não éramos mais da “comissão de frente” e que os fatos culturais estavam andando mais depressa que nossos pensamentos e idéias.

Estamos diante de mais uma grande inovação, de uma conduta que está começando a se disseminar. Não acho bom que fiquemos, outra vez, por fora dos acontecimentos e que sejamos tão surpreendidos pelo que vem aí. A novidade, aparentemente simples, é a de que cresce o número de meninos entre 16 e 18 anos de idade que não correm atrás das moças. Os pais se assustam, não sabem o que está acontecendo, pensam que seus filhos possam estar padecendo de algum problema sexual mais grave ou que estejam vivendo algum sério conflito emocional. Estes moços são caseiros, interessados em esportes ou assíduos freqüentadores da Internet, gostam de televisão, de conviver com os amigos e não parecem aflitos em encontrar namoradas ou mesmo parceiras sexuais.

Isto é muito diferente do que acontecia no passado, quando os rapazes se dedicavam de corpo e alma à paquera e ao jogo da conquista erótica. Muitos se sentiam fracassados nesta empreitada, mas todos queriam aprender a arte de melhor seduzir as melhores. Muitos rapazes se tornaram ambiciosos e determinados na busca de algum tipo de destaque, entre outros motivos, para reverterem a posição ruim que tinham em relação às garotas: desejavam-nas muito e percebiam que elas se interessavam mais por rapazes mais velhos, destacados nos esportes, que já estivessem na faculdade, que tivessem carro... Estes moços que não correm atrás das meninas também não costumam dar sinais de grande ambição, de modo que não são os que mais se esforçam em suas atividades estudantis ou mesmo nas de outra natureza. Parece, aos seus pais, que são preguiçosos ou menos inteligentes. Mas penso que são os precursores de uma nova fase.

Pode ser que eu me engane, mas tenho conhecido vários desses moços e reconheço neles uma inteligência até acima da média. São criaturas de muito boa índole, dóceis e de bom humor. Não dão sinal de nenhum tipo de desajuste mental mais grave. Só não querem se apressar nesta corrida frenética na direção das moças, do trabalho e da competição. Dizem frases como “não é necessário se precipitar, as coisas vão acontecer naturalmente, sem pressa”. E o incrível é que parecem não ter pressa mesmo. Não fazem questão de conhecer os caminhos da prostituição, antes tão atraente para os jovens; não se interessam por este tipo de prática sexual. Estes moços se masturbam e parece que isto lhes tira toda a pressa até mesmo de buscarem uma namorada. É como se tivessem descoberto que existe um forte desejo sexual que os impele na direção das mulheres, mas que este desejo se esvai quando ele ejacula - isto graças à existência de um período refratário, de desinteresse sexual, que vem depois do prazer.

Sabemos que a indústria do erotismo e da pornografia produz farto e interessante material para a masturbação masculina. Não que isto subtraia o interesse pela pratica sexual. Tira, porém, a pressa. O que acontece? Como as moças não costumam obter satisfação igual deste material erótico, satisfazendo-se muito mais pelo jogo no qual são o objeto dos rapazes, ficam sujeitas a uma frustração inesperada. O que fazem? Passam a ter condutas ativas na direção dos rapazes, e o fazem de uma maneira nova, diferente daquela que até hoje conhecíamos.

Não é que finalmente as mulheres puderam dar vazão ao seu desejo visual, como pode parecer inicialmente. Os moços descobriram que podem ter desejo visual, e nem por isso têm de exercê-lo pela paquera ativa. Podem se masturbar e se livrar do desejo. As moças têm descoberto que, apesar de não terem o desejo visual, ainda assim podem ter posturas ativas em relação aos rapazes.

Vai ficando cada vez mais claro que os moços estão se tornando mais independentes das moças do que elas deles. Este tipo de poder está mudando de lado, favorecendo, talvez pela primeira vez, os homens. Não se trata de um evento de conseqüências limitadas. Não se trata de um modismo e nem de algo menor. Trata-se de uma alteração num dos pilares da nossa história cultural: os homens, que sempre foram fascinados e rendidos pelos encantos femininos, em breve não serão mais os mesmos. Se os homens não forem os mesmos, as mulheres também não serão mais as mesmas. E a sociedade que nos contém também não será mais a mesma.



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flavio
Flávio Gikovate é um eterno amigo e colaborador do STUM.
Foi médico psicoterapeuta, pioneiro da terapia sexual no Brasil.
Conheça o Instituto de Psicoterapia de São Paulo.
Faleceu em 13 de outubro de 2016, aos 73 anos em SP.

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