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Me sinto só

por Silvia Malamud em Psicologia
Atualizado em 08/04/2020 11:35:06


Em nosso dia a dia constantemente estamos transitando em meio a inúmeras pessoas e em casa, quando supostamente estaríamos sozinhos, ou assistimos televisão, ou estamos com vizinhos, ou lendo livros, ou falando ao telefone, acessando internet etc.. Enfim, a todo tempo ficamos envolvidos com toda a sorte de situações que nos informam de que nunca estamos sós. Ou talvez que nos iludam incitando essa sensação.

Complementando este tipo de ininterrupta interatividade, a vida em nosso planeta também tem se mostrado esfuziante, emergente e rápida. E a Terra, embora sendo o nosso lar, nossa morada, paradoxalmente, acaba sendo lugar onde poucos têm a verdadeira chance de efetivamente se sentirem em casa.

Essa suposta verdade de que nunca estamos sós acaba se revelando como uma grandiosíssima mentira. Parece uma peça que nos pregaram e que a todo custo ainda tentam implantar nos desavisados.

Até podemos acreditar que apenas pelo motivo de estarmos com muita gente ao redor e também por conta de todo o excesso de informações que nos atravessam, de que nunca estamos sós, ou de que não há espaço para sentir esse vazio. Neste sentido, se acaso alguém se queixasse da solidão, seria algo totalmente infundado. Mas, seria mesmo? Ao que parece, não, um dos sentimentos mais profundos da humanidade é o da solidão. Grande número de pessoas literalmente odeiam finais de semana quando terminam suas atividades de trabalho e se desconectam das relações de referência. Hoje mais do que nunca pessoas e mais pessoas não se sentem pertencer aos meios em que circulam, aos ambientes onde vivem. Muitos encontram-se como um peixe fora da água.

Os mais ávidos por se sentirem vinculados, ou se casam indevidamente, ou caem na noite, usam drogas ou mesmo viciam-se em sexo sem compromisso entre outras situações danosas. A busca é a da saciedade para se evitar o sentimento do vazio da solidão, que é pior dos mundos, lugar onde mesmo quando acompanhados a sensação é a de isolamento.
Em meio a cavalgadas silenciosas, jovens, adultos e mesmo crianças transitam numa busca cega pelo sentimento de lar, sentimento este, muitas vezes jamais vivenciado em sua plenitude.

A vida no século XXI dificulta sobremaneira a resolução deste tipo de conflito, pois todos parecem estar com pressa, principalmente nas cidades grandes. Quando se tenta fazer amigos pela internet, por exemplo, estes em pouquíssimo tempo evidenciam ser amizades apenas virtuais, ou seja, deletáveis. Na vida prática, quando se faz amigos no trabalho, a competitividade é o que impera. Tudo fica efêmero, desfazendo-se em instantes.

Os mais sensíveis, que necessitam de um contato mais direto, olho no olho, essência com essência, normalmente ficam à margem de tudo e de todos. À margem dos programas de funcionamento prático de vida que isentam o ser humano da relação de conexão profunda que se pode ter com o outro. Silenciosamente, porém, e mesmo sem saber dos caminhos certeiros, buscam abrir espaço para que a riqueza existente nas trocas afetivas aconteça e para que o significado dos vínculos e dos desafios, que existem em todas as relações, possam chegar como reais experiências de vida.
Não se enganem os mais introvertidos ao suporem que o mundo dos extrovertidos é diferente dos deles. O que se passa do lado de dentro, muitas vezes, é da mesma ordem de percepção para ambos.

Hoje mais do que nunca, as pessoas sentem solidão. Ao mesmo tempo em que há um desprendimento para se viajar só, para comer em restaurantes e cinemas na própria companhia, a sociedade "autossuficiente" neste quesito peca ao esconder em suas profundezas a dificuldade para se vincular. Há, porém, um limite para se isentar ou passar por cima das dificuldades que acontecem nas entrelinhas. Um dia, a casa cai e o sentimento de solidão e de falta de vínculo irrompe sangrando.

O que dificulta este tema é que hoje é muito difícil as pessoas falarem da própria solidão, todas estão frenética e ininterruptamente plugadas, conectadas. A grande questão é que o momento do confronto consigo mesmo um dia fatalmente acontece derrubando qualquer mecanismo de defesa.

A busca de terapia vem nessas ocasiões onde a solidão e o sentimento de não pertencer se tornam tão implacáveis que o próprio sentido da vida desaparece. São nestes momentos que angústias impensáveis tomam posse do indivíduo e a conhecida lida com a vida fracassa. É quando a crise chega.

Se bem guiada, a resolução da crise poderá transformar o indivíduo por completo e um verdadeiro renascimento poderá ocorrer. Novas escolhas e ousadia para se bancar no que for importante é o que passará a valer. Isso pode ocorrer independente de idade.

Tive uma paciente que aos 70 anos conheceu um senhor russo pela internet e disse convicta aos filhos e netos que retornaria ao seu país de origem, Rússia, para viver com este que lhe recuperara o seu sentimento de pertencer. Disse que a sua voz de russo apaziguava o seu coração trazendo de volta lembranças de seu berço de origem, de sua língua-mãe.

Na vida de hoje, tudo se organiza de modo diferente de outrora. O sentimento de pertencer a algo, de se sentir em casa mudou radicalmente. Diversas famílias se configuram de modo distante de antigamente, muitos mudaram de religião, os empregos já não são permanentes e nem são garantia de nada. A cada dia que passa, a tecnologia muda. O que é moda hoje, horas depois corre o risco de não ser mais.
Transitar, pertencer e se vincular num mundo onde a nova lei baseia-se na mudança constante, não é tarefa fácil. A não fixidez dificulta as referências de origem, o reconhecimento da estrutura interna.

Encontrar-se consigo mesmo e com as suas verdades faz com que o vazio e a solidão transformem-se na energia radiante que vem do si mesmo, no seu lugar seguro e de referência. O seu mundo interno, mesmo que mutante deve ser o seu templo.

Centrar-se e reconhecer o que faz sentido é a porta de acesso ao outro, aos vínculos e ao crescimento promovido por todas as relações.



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silvia
Silvia Malamud é colaboradora do Site desde 2000. Psicóloga Clínica, Terapias Breves, Terapeuta Certificada em EMDR pelo EMDR Institute/EUA e Terapeuta em Brainspotting - David Grand PhD/EUA.
Terapia de Abordagem direta a memórias do inconsciente.
Tel. (11) 99938.3142 - deixar recado.
Autora dos Livros: Sequestradores de almas - Guia de Sobrevivência e Projeto Secreto Universos

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