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Quando falar é agredir

por Flávio Gikovate em Psicologia
Atualizado em 28/07/2006 11:46:12


Há opiniões discrepantes em relação às pessoas que são muito cuidadosas e delicadas quando expressam seu ponto de vista especialmente sobre temas polêmicos. Alguns as julgam falsas e hipócritas, pois escolhem as palavras com o intuito de agradar o interlocutor. Resultado: desconfia-se de sua sinceridade. Outros, porém, pensam de forma diferente. Acham que são espíritos mais atentos, preocupados em não ser invasivos e grosseiros. Tomam cuidado, sim, porque não gostariam, em hipótese alguma, de magoar a pessoa com a qual estão conversando.

Pode parecer também que o tipo mais espontâneo e sincero é mais veemente na defesa de suas idéias, enquanto o mais delicado tem menos interesse em fazer prevalecer seu ponto de vista, ficando sempre “em cima do muro”. Embora muitas vezes tais considerações sejam verdadeiras, penso que não é tão simples fazer a avaliação da conduta mais adequada. Esse assunto não só envolve questões morais, mas diz respeito à eficácia da comunicação entre as pessoas.

Sob o aspecto moral, a preocupação com o outro se impõe sempre. Ser honestos e sinceros não nos dá o direito de dizer tudo que pensamos. A franqueza pode ser prejudicial. Por exemplo, se uma pessoa, ao encontrar um amigo de rosto abatido, falar: “Puxa, como você está pálido! Até parece doente”, estará sendo sincera, mas tremendamente insensível. A verdade não subtrai o caráter agressivo da afirmação; pelo contrário o acentua. Na prática, acredito que uma boa forma de avaliar uma ação é pelo resultado. Se o efeito for destrutivo, a ação será nociva, independentemente da “boa intenção” daquele que a praticou.

A tese de que devemos falar tudo o que pensamos é ainda mais indefensável quando o objetivo é facilitar o entendimento e a comunicação. Indiscutivelmente o ser humano é vaidoso e, se se sentir ofendido por alguma palavra ou atitude do outro, acabará desenvolvendo uma postura negativa em relação a essa pessoa. Se alguém iniciar uma frase com expressões do tipo “Você não percebe nada”, “Qualquer idiota é capaz de compreender que...”, elas provocarão uma espécie de surdez imediata. Não ouviremos o resto do argumento ou então o ouviremos com o intuito de encontrar bons raciocínios para derrubá-lo.

Quando a gente se expressa, é preciso ter extremo cuidado com as palavras, pois elas atingem positiva ou negativamente o interlocutor. No processo de comunicação, a recepção é tão importante quanto a emissão dos sinais. Temos que nos lembrar disso se quisermos agir de modo construtivo para nós e para os demais. O descaso pelo “receptor” indica desrespeito moral e agressividade (voluntária ou não). Há pessoas que só têm interesse em mostrar como são perspicazes e brilhantes. Querem ficar por cima. Querem ensinar e não aprender. Despertam raiva, não admiração, pois a arte de seduzir caminha exatamente na direção oposta. Um homem (ou uma mulher) atraente faz o outro se sentir bonito, legal e inteligente. Prefere dar atenção a repetir o tempo todo “Como sou bárbaro e maravilhoso”.

Qual a pessoa que gosta de se aproximar de alguém cujo objetivo principal e a autopromoção constante? Quem atura discursos intermináveis baseados num narcisismo oco? Praticamente ninguém. O descaso pelo interlocutor é, a meu ver, fruto de um individualismo acirrado e oculta o desejo inconsciente de se dar mal na vida.



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flavio
Flávio Gikovate é um eterno amigo e colaborador do STUM.
Foi médico psicoterapeuta, pioneiro da terapia sexual no Brasil.
Conheça o Instituto de Psicoterapia de São Paulo.
Faleceu em 13 de outubro de 2016, aos 73 anos em SP.

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