As portas do coração
Com a idade aprendemos que é melhor ter problemas do coração do que passar a vida com ele vazio. Os amores impossíveis, passados, negados, podados, jogados fora ou simplesmente ignorados fazem mal, muito mal, mas ainda assim são amor, ainda assim são chamas que aquecem e fazem lembrar da vida.
Só que o sofrimento nos cansa com o passar dos anos. Os desgostos, encarar a realidade que nem sempre se ajusta ao que pintamos, nos faz pensar duas vezes ou mais antes de darmos uma chance a esse infatigável órgão que chamamos de coração. De tanto cair, hesitamos em caminhar. E nos enganamos assim, deixando a vida correr por entre nossos dedos, como as águas que se espalham pela terra, sem retorno. Não podemos deixar de viver por medo de viver. Um pouco de cautela sim, mas não portas completamente fechadas, sem saídas, sem entradas...
Acho que ninguém passa a vida como uma folha em branco, sem escritos, sem rabiscos. Tudo vai sendo escrito na alma, os momentos vão sendo registrados, misturando o que foi com o que deixou de ser, as grandes expectativas com as grandes decepções.
Cada página virada traz as marcas das que passaram e com o tempo vamos aprendendo a prudência nas relações.
Quando somos jovens é diferente, pois a esperança é tão eterna quanto o amor que toma conta da gente. Mas os anos nos trazem a vivência, a desconfiança e a memória das coisas que nos fizeram mal.
Se na juventude nos jogamos de cara a cada nova oportunidade, mais tarde aprendemos a caminhar lentamente, olhar de longe, tentar reconhecer os riscos e buscar garantias. Essas mesmas garantias que só são assinadas depois, bem depois, caso existam.
A vida não nos abandona e as oportunidades vão surgindo. Mas, com elas as feridas que se reabrem, que revivem e fechamos os olhos a, talvez, belos instantes de felicidade plena e eterna.
Não sabemos! Não podemos saber! As pessoas não são iguais, mas tão parecidas! Não queremos sonhar de novo e cair de novo, chorar de novo e parecer tolos aos olhos dos outros... preferimos fechar as portas do coração e olhar pela fresta, imaginar o que teria sido se tivéssemos, pelo menos, tentado...
Queremos sempre o amor, nunca a dor que dele resulta. Queremos o mel, a alegria e até a saudade que pode incomodar o coração, mas dor... dor não!
Não sabemos, talvez, que seja esse o preço e que a alegria de amar um tempo vale mil vezes a dor cravada na alma.
Amar alguém é elevar-se ao ponto nobre da vida. É tocar o céu e ter a terra aos seus pés. E se mais tarde os ventos contrários nos trazem de volta, valeu a viagem, valeram as lembranças que carregamos e que nos sustentam.
E entre os escritos da vida, prevalecem, no fim, o néctar que soubemos tirar das flores, a poesia que tiramos dos amores, mesmo daqueles que tiveram fim...
Letícia Thompson
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