O Sentido da Vida (Martha Medeiros)
Não é nenhuma novidade que dinheiro, viagens, status, beleza e outras coisinhas mundanas são sonhos de consumo de muita gente, mas não dão sentido à vida de ninguém. A única coisa que justifica nossa existência são as relações que a gente constrói. Só os afetos é que compensam a gente percorrer uma vida inteira sem saber de onde viemos e para onde vamos. Diante da pergunta enigmática - por que estamos aqui? - só nos consola uma resposta: para dar e receber abraços, apoio, cumplicidade, para nos reconhecermos um no outro, para repartir nossas angústias, sonhos, delírios. Para amar, resumindo.
Piegas? Depende de como essa história é contada. Se for através de um filme inteligente, sarcástico, tragicômico como Invasões Bárbaras, o piegas passa à condição de arte. O filme é uma espécie de continuação de O Declínio do Império Americano. Naquele, um grupo de amigos se encontrava numa casa à beira de um lago e discutia sobre vida, morte, sexo, política, filosofia. Em Invasões Bárbaras, estes mesmos amigos, quase 20 anos depois, se reencontram por causa da doença de um deles, que está com os dias contados. Descobrem que muitos dos seus ideais não vingaram, que muita coisa não saiu como o planejado, só o que sobrou mesmo foi a amizade entre eles. E a gente se pergunta: há algo mais nesta vida pra sobrar? Quando chegar a nossa hora, o que realmente terá valido a pena? Os rostos, risadas, mulheres, decotes, pernas, beijos, confidências e olhares que nos fizeram felizes por variados instantes de sexo, que não preenchiam o vazio da alma.
Mas, Pais e filhos, maridos e esposas, amigos: são eles que sustentam a nossa aparente normalidade, são eles que estimulam a nossa funcionalidade social. Se não for por eles, se não houver um passado e um presente para com eles compartilhar, com que identidade continuaremos em frente, que história teremos para carregar, quem testemunhará que aqui estivemos? Só quem nos conhece a fundo pode compreender o que nos revira por dentro, qual foi o trajeto percorrido para chegarmos neste exato ponto em que estamos, neste estágio de assombro ou alegria ou desespero ou seja lá em que pé estão as coisas pra você. Se não nos decifraram, se não permitimos que aplicassem um raio x na gente, então não existimos, o sentido da vida foi nenhum.
Todas as pessoas querem deixar alguns vestígios para a posteridade. Deixar alguma marca. É a velha história do livro, do filho e da árvore, o trio que supostamente nos imortaliza. Filhos somem no mundo, árvores são cortadas, livros mofam em sebos. A única coisa que nos imortaliza - mesmo - é a memória daqueles que nos amaram e foram fiéis.
Recebido de Ana Cristina Rosado
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