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Entre a Desculpa e o Perdão

Entre a Desculpa e o Perdão
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Eu já pedi tantas desculpas. Na infância, os pais, a professora e os irmãos forçavam desculpas a toda hora. Não compreendia como uma palavra me liberava a dizer palavrão depois. Uma palavra me salvava de crespar no castigo. Uma palavra e estava limpo novamente, de banho tomado na linguagem. Não era fácil dizê-la, algo como esmolar. Nunca o foi, pois o rosto de quem a espera lembra o último camafeu em uma bandeja. Eu a falava para dentro, com beiço, esperando o anúncio de um abraço ou beijo para aliviar a carga dramática.
Se as desculpas são difíceis, pedir perdão é um tormento. Como diferenciar o perdão da desculpa, qual é o momento adequado para um e outro? Com perdão, os olhos devem estar fechados e a boca atenta como um ouvido. No perdão, percebo que viver não nos dá tudo, muitas vezes nos tira. Que uma voz não é sorte, que não é para ser temida, que até Deus fica nervoso durante a missa, que a morte é apenas o desequilíbrio entre o medo e o desejo, que até a humildade tem pressa.
No perdão, a lealdade não precisa perguntar e a luz que me deixa ver é também paisagem. Com o perdão, percebo que se a mulher com que vivo e amo não existisse, ainda a amaria igual, amaria sua ausência com ritual e zelo, em cada objeto da casa. Que uma ave não canta a mesma música, sua memória é a árvore. A ave é a mão musicada da árvore.
Perdoar é se dar conta de que o amor protege mais do que evita, que nem o mar encontrou sua transparência e o vento não chega porque se esqueceu em seu corpo.
Perdoar é escoar, desculpa é recuo. Como mexer o açúcar com os dedos é diferente de mexer o sal.
Perdoar é reparar que não olho tanto minha mulher para assim imaginá-la e não envelhecê-la. Que o meu melhor tempo é o tempo alheio. Que o ritmo de meus passos obedece o espaço exíguo de meu quarto. Que há lembranças que somente podem ser dançadas, nunca repetidas. Desculpas acontece quando queremos nos libertar do outro, nos redimir. Perdão não se importa com a projeção, é libertação de si próprio.

Por: Fabrício Carpinejar
https://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br


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