SONHAR UM SONHO
Como um gato que espreita o pássaro, sua presa, silenciosa, calmamente... Assim espreitei meu sonho, durante longos anos, paciente, calmamente....
Como no caso do gato, por várias vezes, quando pensei estar próxima de “minha presa”, o sonho, como o pássaro, voava e se perdia por entre nuvens...
Noutras vezes, quando ele me aliciava com a iminente realidade, alguém de súbito chegava e o afugentava, dizendo ser meu sonho louco demais para ser real. Ou sendo ainda mais claro em sua colocação, dizia que eu era louca por sonhar um sonho daquele tamanho e eu, temerosa, olhava para os lados e o sonho se ia e às vezes eu nem notava que ele, de mim, ladinamente partia, aproveitando minha incerteza diante das certezas da vida...
Por alguns momentos estive bem perto, senti o cheiro, o sabor, quase o toque, o abraço, a contemplação, era-me ele uma espécie grandiosa de amor... e como alguns amores, foi-me ele, naquela fase, impossível...
Depois, de noites insones, ao amanhecer de minhas aspirações lá estava eu novamente espreitando-o docemente, aproximando, lutando, sem medir esforços para que pudéssemos ficar juntos. Mas o sonho não me queria, e como um amado ingrato, na surdina ele partia...
Noutras vezes, eu dormia para sonhar com ele, e ele me vinha, em doses letais, como uma droga que me causava avarias, gostosas e doces fantasias, mas ia-se quando o dia inevitavelmente amanhecia...
Foram anos, eu e meus sonhos, loucos, reconheço, porém, por eles paguei e pagaria qualquer preço, pois sei que o mereço... Por mérito, pois nunca o esqueci, nunca o admiti impossível, tive coragem para sonhá-lo, para me apoderar dessa utopia, despi-la de toda fantasia e torná-lo exatamente como eu queria...
Não foi fácil, fiz dezenas de reparos, remendei, emendei, me feri, me curei, e continuei, teimosa,acreditando que um dia, um belo dia ele se realizaria...
Sim, por ele chorei, como chora uma criança, sem mágoa, apenas como forma de suportar a espera...
Esse sonho que tantas vezes pareceu ameaçar-me de morte, na realidade eu sabia, só ele seria capaz de me devolver a vida...
Com ele eu brinquei de esconde-esconde, de ciranda, de amarelinha, com ele rejuvenesci, pois eu sabia que precisaria de novas forças, posso dizer sem ressalvas, que por ele sobrevivi...
Para algumas pessoas contei, de outras ocultei, por receio de que alguns me julgassem tola, e por medo de alguém me julgar algo que eu não era.
Na realidade, eu era apenas uma pessoa com um grande sonho, não era nem boa, nem má, era apenas gente sonhando com um horizonte que ia além do que os olhos vêem, do que as mãos tocam e os ouvidos ouvem. Por isso o segredo, o receio, o quase medo de revelá-lo, apesar de tudo, dos disparates, eu sabia que um dia iria realizá-lo...
Esse sonho me fez entender, o quanto às vezes temos que esperar, e um dia, um belo dia o sonho, depois de nos ter domado a alma, se propicia realizar....
E então a gente descobre que o melhor de tudo foi a luta, a espera, os caminhos percorridos, a experiência adquirida, porque o sonho na realidade, sempre esteve conosco. O que a gente não sabia era esperar o momento para dar o bote, como faria o gato...
Colunista Maria José Amaral
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