" A inveja e o Sapo Barrigudo"



Autor Heloisa Garbuglio
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 9/23/2008 1:24:27 PM
“A INVEJA E O SAPO BARRIGUDO”
Era uma vez...era uma vez, um sapo barrigudo, de pele enrugada, olhos esbugalhados e garras afiadas. Passava os dias coaxando no pântano.
Um dia, de repente, viu resplandecer no ponto alto de uma rocha, um lindo vaga-lume.
Mortificado pela inveja e impotência diante de tanta beleza , saltou até o local onde estava o vaga-lume, e o cobriu com o seu ventre gelado.
Estupefato o vaga-lume perguntou-lhe:
Por que me cobres?
E o sapo inflado pela inveja, respondeu-lhe:
“Por que brilhas”.
Segundo o dicionário Aurélio, a inveja é o desgosto ou pesar pelo bem ou felicidade de outrem. Desejo violento de possuir o bem alheio.
A inveja é um sentimento que expressa um comportamento associado ao ato de dissimular, fingir, falsear e mentir. É um sentimento carregado de negatividade e destrutividade.Talvez, seja o único dos “pecados capitais” que não merece comiseração. Podemos tolerar o bom e o mau, a mentira e a verdade, o amargor e a doçura, a deslealdade e a lealdade, mas, em relação à inveja não encontramos correspondente para atenuar nossas falhas. A aversão é milenar e, portanto, precisa ser camuflada, escondida. O invejoso nunca pode mostrar verdadeiramente os seus sentimentos. A inveja não merece perdão.
A inveja traz consigo a devastação e a catástrofe. Ao longo da história da humanidade o ser humano aprendeu a se precaver contra ela. Cada cultura desenvolveu recursos na forma de amuletos, já que ela está associada ao “mau olhado”, à má sorte.
Assim, a figa é colocada nas portas das casas ou nas roupas dos recém nascidos como forma de evitar quebranto. Surgem as benzedeiras que se utilizam de ervas como arruda; espada de São Jorge ou Santa Bárbara e a guiné para evitar esse mal. Para os judeus, as tefilins e os mezuzás são símbolos de proteção contra a inveja. E, a maioria dos ritos africanos, está voltada para cortar esse mal. Amuletos; plantas; defumações; danças religiosas; dentes de elefantes; metais, pulseiras etc, são utilizados com esse fim.
“Melanie Klein, (1975) em seu livro “Inveja e Gratidão” classifica a “inveja como um sentimento raivoso, causado por outra pessoa possuir e desfrutar algo desejável por mim...pressupõe a relação do individuo com uma só pessoa”.
O estado de quem inveja é extremamente doloroso. Aquele que inveja vive um eterno sofrimento para conseguir enfrentá-la, já que seu rosto se contrai, muitas vezes se ruboriza de raiva, suas mãos transpiram e, dificilmente, consegue esconder seus sentimentos. A inveja é um sentimento endêmico que surge nas nossas vidas a partir de situações de frustrações e comparações.
O mecanismo básico responsável pelos sentimentos do invejoso é a comparação; e esta é uma forma de aprendizado muito comum em nossa sociedade. Desde pequenos ouvimos de nossos pais... seu irmão é mais inteligente; fulano é mais esforçado.... Nosso sistema de ensino é todo voltado para a competição onde se valoriza o primeiro lugar e não as competências e realizações de cada um. Nossa sociedade é competitiva e comparativa. Logo, a inveja é sentida e apreendida por nós precocemente.
O sucesso de alguém passa a ser sentido para o invejoso como ofensa pessoal, pois, o comportamento exteriorizado é o da competição. Competição interna, consigo mesmo, no seu inconsciente. Isso gera infelicidade e tristeza que o invejoso não pode admitir. Ele precisa sempre criticar ou tirar o brilho do sucesso do outro. A inveja tem uma grande máscara que é o despeito. “Também...teve sucesso por que seu pai o ajudou...olha a família que ele tem”.
Para que se estabeleça a inveja é necessário que ocorram duas situações: não se tolerar o sucesso do outro e sentir-se um enorme prazer pela mágoa do outro. Na inveja o alvo é o outro, mesmo que sua situação financeira e posição social sejam inferiores. Passamos a ser prisioneiros da vida do outro. Sonhamos com sua destruição...destruição que nos dá um prazer enorme. A destruição do outro passa a ser nossa fonte de prazer.
A inveja incorpora a ganância e o ciúme. É um ódio que não consegue ser acalmado, aplacado. Passamos a desenvolver fantasias de destruição do outro, ou como poderíamos nos vingar. “Puxa...seria muito bom se ele desaparecesse...ou talvez, morresse”.
O invejoso é normalmente inseguro, irritadiço, desconfiado, observador minucioso e sempre alerta contra tudo e contra todos. Aparenta superioridade, quando na realidade sente-se inferiorizado. Apresenta-se diante das situações com ar de sarcasmo e ironia, mas na realidade se consome e se remoe por dentro. Esse comportamento leva a exaustão. Na realidade, sente um vazio interno muito grande.
Infelizmente, a inveja passou a ser um sentimento básico de quase todo o povo brasileiro. Sociedades consumistas são as sociedades mais invejosas e mais desejosas do “TER”. Invejamos a pessoa rica e famosa que pode realizar viagens, comprar jóias, trocar e comprar casas, realizar festas, mesmo que muitas vezes isso não tenha sido conseguido de uma maneira lícita.
Perdemos a nossa capacidade de raciocínio e bom senso. Por incrível que pareça adoramos ser invejados pelas coisas que conquistamos antes dos outros. Podemos exibi-las demonstrando todo o nosso charme, poder e riqueza. A inveja é um sentimento humano intenso e poderoso.
Adotamos modismos mesmo que sejam ridículos e cafonas em nome da inveja...; precisamos ter o cabelo de determinada atriz, a roupa de outra... Programas televisivos onde há fuxico, intrigas, boatos, fofocas, passam a ter sucesso nas redes de TV.
Vibramos com o sucesso do mau caráter, com as falcatruas dos personagens, pois, sabemos que a riqueza, na vida real, é para poucos. Nas novelas podemos nos identificar com as personagens e sentirmo-nos participantes. Podemos exibir livremente nosso comportamento invejoso sem que sejamos criticados por isso.
Chegamos ao absurdo até de invejar comportamentos desonestos, achando que vale a pena para ser bem sucedido. Isto faz uma cisão no comportamento e crescimento de nossa sociedade. A inveja torna o ser humano um grande predador em busca do TER. A crença e o sentimento de TER e fazer para que o outro não tenha, acaba causando profundas diferenças sociais que já estamos sentindo no processo de evolução da humanidade.
Finalizando: “Círculo Vicioso” Machado de Assis (uma poesia sobre a inveja)
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
-"Quem me dera que eu fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!
-"Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
-"Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!
"Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
-"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela claridade imortal, que toda a luz resume:
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
-"Pesa-me esta brilhante auréola de nume…
Enfara-me esta azul e desmedida umbela…
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?”
Bibliografia:
ALBERONI, F. Os invejosos- Uma investigação sobre a inveja na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro, Rocco, 1996.
BERGER, P. A construção social da realidade. Petrópolis, Vozes, 1976.
CAMPBELL, J. As máscaras de Deus. São Paulo, Palas Athena, 1994.
FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro, Imago
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