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A incrível siá Glória!

Atualizado dia 11/18/2007 2:14:05 PM em Autoconhecimento
por Flávio Bastos


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A maioria da pessoas passa desapercebida pela vida. Outras, no entanto, pelo seu magnetismo ou carisma pessoais, costumam causar uma impressão diferenciada, deixando para sempre marcas na retina e na memória de quem as conheceu.

Siá Glória, "La vieja bruja", como também era chamada, foi uma dessas figuras populares que pelo seu estranho comportamento marcou época no folclore e na história do noroeste missioneiro do Rio Grande do Sul. Sua inconfundível imagem, caracterizada por um tronco curvado e por uma vasta cabeleira branca esparramada pelos ombros que seguia o movimento cadenciado de seu corpo ao rítmo dos ventos da fronteira, davam-lhe o aspecto de uma personagem saída de um livro de Edgar Allan Poe.

"La bruja" ou simplesmente Siá Glória como era mais conhecida, era uma mulher "teatina" (pessoa sem paradeiro fixo) que costumava vagar pelos campos do noroeste missioneiro gaúcho em busca de pousos em troca de pequenos serviços domésticos nas sedes das fazendas de criação de gado da região.

Os antigos diziam que ela enlouquecera após presenciar sua família ser assassinada
durante a sangrenta Revolução Federalista de 1893. Desde então, passara a vagar, sem eira nem beira pelos campos da região, dormindo ao relento ou em galpões das fazendas que lhe concediam pouso e alimentação. Como seu drama de vida era conhecido, sensibilizados com sua história os fazendeiros geralmente lhe davam guarida.

No entanto, o estígma de ser uma pessoa diferente associado à sua existência mais do que centenária, tornava Sia Glória uma personagem folclórica, cuja imagem física era usada para impressionar o imaginário infantil nas manhas das escuras noites sem energia elétrica das sedes de fazenda: "Olha a Siá Glória... ela tá chegando!" era um rápido e santo "calmante" para a gurizada miúda.

Lembro que ainda era um pré-adolescente em férias na fazenda de um tio, quando conheci pessoalmente a legendária mulher missioneira. Estava, após uma caminhada pelo campo, retornando à sede da fazenda quando visualizei na coxilha (cerro baixo) à minha frente, uma pessoa descendo a passos largos em minha direção. À medida que ela foi se aproximando comecei a identificar o seu tipo: sem dúvida era ela, "la vieja". Corpo curvado pelo tempo, vasta cabeleira branca esvoaçante que contrastava com o verde do campo e com as vestes escuras.

"Buenas, seu moço!", cumprimentou-me com o típico toque de mãos e braços do missioneiro fronteiriço. "Que mal pergunte, seu moço, qual a sua graça?", completou, respeitosamente. Apresentei-me e começamos a caminhar lado a lado em direção à sede que estava próxima. Ao ver-nos, como era costume, a cachorrada bateu em disparada em nossa direção, momento em que foram contidos por um assovio humano que fez com que retornassem à casa.

Percorremos o restante do caminho conversando, quando percebi que Siá Glória trazia em suas pernas um enrolado cipozal (cipó), momento em que discretamente questionei-a a respeito. "Seu moço, é para defender-me da investida das cobras, de animais selvagens e de cães das fazendas", fora a sua resposta. Silenciei, pensativo. Estava diante de uma guerreira da vida... e pela sobrevivência!

Logo chegamos e la vieja é recebida pelos adultos da casa e convidada a entrar, momento em que todos a cumprimentam respeitosamente. Porém, foi à noite em volta do acolhedor calor do fogo de chão do galpão, quando o chimarrão ao repetir uma atávico ritual gaúcho passa de mão em mão, que percebi o quanto aquela centenária mulher era considerada e respeitada por todos, pois naquela época, sem televisão ou energia elétrica, o culto da memória viva era o único canal de informação e de comunicação que alimentava a história no presente (cultura) e, "de boca em boca" o imaginário popular.

Diante de Siá Glória estávamos na presença de uma das últimas legendas vivas da história missioneira. Sua memória era fantástica como também era impressionante a sua lucidez e o seu carisma. Não suportando mais o sono, não tive coragem de levantar-me e ir para a cama e dormi ali mesmo escorado na parede do galpão ouvindo atentamente os seus "causos". Só despertei com o leve toque da mão de minha tia dizendo que estava na hora de me recolher. No outro dia acordei cedo na ânsia de reencontrar La Vieja para continuar ouvindo suas histórias, mas ela, assim como repentinamente chegara do nada, repentinamente, antes do alvorecer, "alçara vôo" em direção a outros "caminhos teatinos".

E assim era a incrível Siá Glória, mulher guerreira sem paradeiro fixo, sem posses, sem nada. Livre, completamente livre e desapegada de valores materiais. No entanto, intensa e riquíssima de valores humanos.

Psicanalista Clínico e Interdimensional.
flaviobastos

Texto revisado por Cris

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Conteúdo desenvolvido por: Flávio Bastos   
Flavio Bastos é criador intuitivo da Psicoterapia Interdimensional (PI) e psicanalista clínico. Outros cursos: Terapia Regressiva Evolutiva (TRE), Psicoterapia Reencarnacionista e Terapia de Regressão, Capacitação em Dependência Química, Hipnose e Auto-hipnose, e Dimensão Espiritual na Psicologia e Psicoterapia.
E-mail: [email protected] | Mais artigos.

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