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A Linha da Vida

Atualizado dia 10/30/2021 12:26:05 AM em Autoconhecimento
por Lisandro


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A campainha tocou, fazia um dia frio e chuvoso. O homem da barba grisalha atendeu a porta e perguntou "Pois não?", ao jovem em frente ao seu portão.

- Boa tarde senhor. Estou passando por necessidades, preciso de dinheiro para pagar meu aluguel ou serei despejado. Só estou pedindo pois morar na rua deve ser muito ruim.

O homem pareceu refletir por alguns instantes antes de responder.

- Lamento, não tenho condições de ajudá-lo no momento.

Visivelmente decepcionado, o jovem observou a bela casa onde vivia o homem e o caríssimo carro que estava em sua garagem. Mas nada disse e foi embora. O homem conhecia o jovem de vista, até sabia onde morava. Aguardou ele desaparecer pela rua e fechou a porta.

O jovem praguejou contra o homem, contra a vida, contra as pessoas, contra o mundo. Já era fim de tarde e quase ninguém o tinha ajudado. Nem 1% do aluguel seria pago com o que tinha conseguido. "Quanta gente insensível ao sofrimento alheio, sem espírito solidário", pensou. Gente como este último homem ao qual pedira dinheiro, que morava numa belíssima casa, tinha um carro caríssimo, mas não era capaz de ajudar sequer com algumas poucas moedas.

O homem da barba grisalha, após trancar a porta, sentou-se no sofá da sala, o olhar voltado para o carpete, perdido em preocupados pensamentos. Depois de ter atravessado, como muitos outros, uma das maiores crises mundiais da atualidade, de ter perdido o emprego há meses, depois de ter reduzido ao máximo seu custo de vida, começando com as coisas mais simples como ir ao cinema com a família, reuniões e  happy hour com os amigos, a taça de vinho diária durante o jantar, em seguida cancelando serviços de assinatura de filmes, livros e música por streaming, contribuições para ONGs e obras de caridade, mais tarde o seguro do carro,  da casa, o colégio dos filhos, academia, o plano de saúde, alterando até mesmo o plano de celular para pré-pago, uma internet mais barata, depois de já haver gasto todas as suas economias e não ter mais nada, nada o que fazer, tendo apenas algum dinheiro para comida, água, luz e telefone, aguardava que alguém comprasse a casa que havia posto a venda já há 2 meses e o carro, que teria sua primeira parcela atrasada desde que o adquirira há 4 anos atrás. O carro, que ainda possuía algum combustível e mantinha para se deslocar na tentativa de arranjar um emprego. Pois bem, não havia outro jeito senão reduzir ainda mais o valor de ambos os bens (que já estavam à venda por um valor bem abaixo do valor de mercado) e esperar.

Naquela noite o jovem foi dormir sem fé na humanidade, sem saber de todos os problemas que todas as pessoas para qual pediu dinheiro, inclusive o homem da barba grisalha, enfrentavam. A bela casa, o carrão na garagem, serviam apenas para iludir o tolo que não conseguia enxergar além das aparências, que não possuia empatia e nem evoluira ainda o suficiente para observar além dos seus próprios problemas e perspectivas.

O homem da barba grisalha comparou a sua situação com a situação do rapaz e a única diferença que percebia era que ele, se conseguisse vender a casa e o carro, teria dinheiro para sobreviver mais alguns meses. Estava em melhor situação que o rapaz, mas não se sentiu feliz com isso. "Estou sem dinheiro, mas aquele tem menos". "Tenho uma casa modesta, mas aqueles vivem num barraco, naquele bairro perigoso". "Como apenas arroz e feijão, mas aqueles estão passando fome". Para o homem, não havia nada mais medíocre e mesquinho do que usar a tragédia, a tristeza e a dor dos outros como referência para se sentir bem e confortável.  Melhorar seu astral levando em conta que há outros em situação pior?  Isso era perverso, desumano e cruel.

O homem da barba grisalha há muito não reclamava mais da vida. Aprendeu isso por experiência, depois de ter atravessado outras crises. Geralmente costumam dizer que o grisalho da barba ou cabelo justifica quanto alguém é sábio ou experiente, mas esse não era o caso do homem, que ainda não havia alcançado os 50 anos. E cedo assim aprendeu a lição mais importante, que ele chamava de "A Linha da Vida" ou "A Melhor Distância entre Dois Pontos". Com o tempo aprendeu que momentos difíceis chegam para todos, mas que a maneira como encaramos esses problemas pode tornar nossa vida pior ou melhor. Alguns de seus amigos tiravam sarro dele por ter lido livros como O Segredo e acreditar naquela baboseira de auto-ajuda. Até que um dia ele decidiu provar, de uma maneira muito prática, simples e irrefutável, como aquilo funcionava.

- Imaginem o ponto A como sendo sua vida dentro da normalidade e o ponto B como sendo algo que lhe tire de sua zona de conforto. E entre eles uma linha, que eu chamo de A Linha da Vida. - disse o homem certa vez a um grupo de amigos. - Agora imaginem duas pessoas com a vida muito semelhante: as mesmas oportunidades, o mesmo rendimento, mas com uma diferença: um é otimista e o outro pessimista. O otimista aplica leis como as do pensamento positivo, coisa de auto-ajuda mesmo e tem sempre em mente que tudo vai melhorar, que poucas coisas merecem ser levadas tão a sério. O pessimista vive reclamando e vendo pior em tudo. Preocupa-se demais com o futuro e vê sempre coisas ruins lhe aguardando na próxima curva da estrada. Quando as coisas dão errado, só acontece com ele, só podia ser com ele. Diante de um problema, triplica imaginativamente o trabalho que terá para resolvê-lo. Xinga, pragueja, se deprime, se desespera, se entristece. Às vezes resolve problemas mais rapidamente do que esperava e vê que não foi tão difícil como havia imaginado. Ele exagera muito, sempre para o pior. Para esse pessimista, nada é tão ruim que não possa piorar.

 "A grande diferenteça entre os dois não está em que o otimista não terá problemas. Está em como ele percorre A Linha da Vida entre o ponto A até o ponto B - disse o homem, percorrendo o dedo do ponto A até o ponto B numa linha imaginária sobre a mesa. O olhar dos amigos acompanha o movimento. - O otimista teve uma vida leve, alegre e mais feliz entre esses dois pontos. E somente quando chegou ao ponto B teve sua vida abalada. Mesmo assim, pela prática adquirida em percorrer A Linha da Vida de maneira positiva e construtiva, o ponto B não o afetou tanto quanto afetou ao pessimista. Pois este levou uma vida amarga, inquieta, carrancuda, triste, pois só fazia reclamar, não enxergar as pequenas e boas coisas que aconteciam enquanto percorria A Linha.

"Portanto, comprovadamente a vida do pessimista foi infeliz em todos os momentos: no ponto A, quando estava tudo bem, enquanto percorria A Linha da Vida, onde também tudo estava bem e quando chegou ao ponto B, onde tudo se agravou. E por estar acostumado a enxergar somente o pior das coisas, o ponto B foi mais difícil para ele superar. Se alguém fizesse a mesma pergunta aos dois, "Como está sua vida?", o otimista diria que vem sendo uma vida muito boa, embora esteja atravessando umas dificuldades no momento. Já o pessismista diria que sua vida sempre foi uma droga e agora está no fundo do poço. Pessoas semelhantes, em situações semelhantes, com os mesmos recursos, onde aquele que adotou uma atitude mais positiva e otimista, com uma mentalidade saudável, que procurava sempre enxergar as coisas boas da vida, foi a mais feliz".

Seus amigos o aplaudiram e brindaram ao final da explicação.

O homem da barba grisalha estava com essa imagem na mente, do feliz encontro com os amigos, quando o telefone tocou. Alguém queria ver sua casa.

No dia seguinte recebeu a visita, a pessoa gostou do imóvel, principalmente do baixo preço e o negócio foi fechado. O homem agradeceu aos deuses por finalmente, mesmo diante de uma crise, ter encontrado um comprador. No mesmo dia, outra ligação. Um interessado em seu carro. Marcaram de se encontrar na casa do interessado.

Na manhã seguinte aproveitou para separar algumas roupas usadas, que já não lhe serviam mais. Quando ainda tinha um emprego sempre via um senhor numa cadeira de rodas no caminho do trabalho e há meses mentalizava separar as roupas para doar a ele, mas sempre esquecia. Com a sacola de roupas na mão entrou no carro e saiu.

Ao encontrar o senhor da cadeira de rodas, encostou o carro e entregou-lhe a roupa. O homem o agradeceu efusivamente, como se tivesse recebendo artigos de luxo.

- Muito obrigado, muito obrigado mesmo. Deus lhe abençoe, que o senhor receba tudo de bom nesse mundo pelo seu gesto. Não sabe como está me ajudando, isso vai ser muito útil para mim - e olhou com alegria para a sacola. Ria e sorria enquanto retirava as roupas e observava-as uma a uma. Para ele era como se fossem novas, raras.

O homem da barba grisalha entrou no carro e antes de dar a partida, chorou. Havia tido que se desfazer de tudo que levara anos para conquistar. Sua casa, seu carro, vários móveis, eletrodomésticos, coleção de livros, CDs, DVD's, Blu-rays. Tudo o que pode, vendeu para se manter. Sua conta bancária negativa, (que custaria todo o valor do carro que venderia e ainda uma parte do valor da casa para cobrir). Não tinha mais nada, devia dinheiro e aquelas roupas, que para ele não tinham nenhuma serventia, nenhum valor, possuíam um valor inestimável para o homem da cadeira de rodas. Sim, o homem da barba grisalha tinha consciência de que não somos donos de nada, não possuímos nada, que tudo é passageiro. Tudo o que somos é aquilo que deixamos e as dificuldades recentes serviram para reforçar ainda mais essa lição.  Não o de contentar-se com pouco, mas contentar-se com tudo aquilo que utilizamos enquanto estamos aqui.

Mas o homem da barba grisalha não era hipócrita.  Ele sabia, iria e queria desfrutar de tudo o que a vida lhe desse pelo tempo em que estivesse nesse mundo. Após receber o dinheiro do carro e da casa recém vendidas, quitou suas dívidas e alugou uma casa. O dinheiro seria suficiente para se manter por quase 2 anos. Tempo mais do que suficiente até arrumar um novo emprego.

No dia da mudança o caminhão com as suas coisas foi fechado, entrou na cabine e pediu um favor ao motorista.

Pararam em frente da casa simples e envelhecida pelo tempo. Algumas janelas estavam quebradas, a porta possuía um buraco em sua base. O mato estava alto. Ali residia o jovem que havia lhe pedido dinheiro naquele dia frio e chuvoso, há algumas semanas atrás. O homem não soube, mas após aquele dia o jovem perdera a esperança na humanidade e por desespero passara a praticar pequenos furtos para tentar sustentar a família, mas foi pego logo no começo dos delitos. Não soube que o jovem quase havia sido linchado e morto, mesmo com um conhecido do jovem afirmando que ele era alguém trabalhador, era um homem bom, roubara por necessidade extrema. Mas as pessoas ao redor dele diziam que bandido bom era bandido morto. Por sorte o jovem conseguiu escapar e jurou que nunca mais faria aquilo novamente. Estava quase passando fome quando finalmente arrumou um novo trabalho que salvaria sua família (o que teria sido diferente se tivesse tido a vida ceifada).

- Não deve se lembrar de mim, mas esteve em minha casa pedindo dinheiro para ajudar no seu aluguel. Você não me conhece, mas eu lhe conheço de vista. Sempre que ia para o trabalho via você saindo para pegar o ônibus aqui na frente. Naquele dia não pude lhe ajudar, mas agora posso. Ainda precisa de ajuda?

Os olhos do jovem se encheram de lágrimas.

- É a primeira vez que alguém vem até a minha porta me oferecer dinheiro. Eu arrumei um novo emprego, começo daqui há 3 dias. Mas confesso que ainda preciso do dinheiro. Sabe, é muita coincidência, mas temos que deixar a casa hoje e não temos para onde ir - disse o jovem, chorando.

O homem da barba grisalha perguntou de quanto o jovem precisava e como a quantia não era muito alta, deu-lhe o que precisava para quitar os aluguéis atrasados. Se emocionou junto com o rapaz que lhe agradeceu tanto quanto o homem da cadeira de rodas.

Meses mais tarde o homem arranjou um novo emprego e alguns anos depois agraciou sua família com um novo lar. Apesar de estar sempre preparado para ajudar, nunca mais viu na rua o homem da cadeira de rodas. E quase sempre que alguém batia a sua porta para pedir algo, lembrava-se do jovem. E o jovem também lembrou-se várias vezes da ajuda do homem. Principalmente quando conseguiu financiar sua primeira casa, abrir a porta pela primeira vez e pensar que um dia quase teve a rua como lar.  

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