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A Morte e o Tempo

Atualizado dia 8/8/2007 3:29:52 PM em Autoconhecimento
por Marcos Spagnuolo Souza


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Era carnaval e todo mundo estava brincando de pular na rua. Sentei em uma cadeira que pertencia a um bar que estava na esquina do cruzamento de duas ruas movimentadas. Fazia um calor infernal. As pessoas passavam por mim, rindo, cantando, pulando e dançando. Moços e moças de mãos dadas ou abraçadas passeavam ou brincavam naquela redondeza. Os auto-falantes gritavam melodias carnavalescas. Tudo aparentava muita alegria.

Olhei à minha volta e vi a transitoriedade da existência pois, em alguns anos, tudo o que ali estava não mais existiria. O tempo engoliria tudo, inclusive a própria cidade seria devorada. Aquele homem, no carro bonito, e aquele carroceiro, conduzindo a sua carroça, serão comidos pela terra, inclusive eu, serei um pasto para os vermes na escuridão de um túmulo. Carnaval para alguns, sofrimentos para aqueles que estão naquele hospital do outro lado da rua, dor para aquela mulher que está velando o corpo de seu companheiro no necrotério.

Permaneci sentado na cadeira do bar por muito tempo, olhando e vendo a diversidade dos acontecimentos. Uma garotinha, de short bem curtinho e bustie transparente, pulava o seu carnaval a poucos passos de onde eu estava. Coitada, daqui a alguns anos estará com os cabelos brancos cheia de pelanca e se arrastando vagarosamente pelas ruas. Aquele homem, dançando freneticamente com sua namorada, estará sendo colocado dentro de um caixão, para ser jogado em uma cova no cemitério da cidade. Olhei para um lado e avistei o cemitério localizado não muito longe de onde eu estava. Vi também o hospital, o clube de dança, a rua movimentada e a morte com sua foice passeando e rindo de toda aquela palhaçada existencial. Ao lado da morte tinha uma outra pessoa, com a roupa toda rasgada e levando em sua mão direita uma ampulheta. A morte e o tempo andavam juntos olhando os mortais que passavam.

Os semblantes dos dois personagens eram de uma frieza indescritível, quando notei que estavam caminhando em minha direção. Seus olhos fixaram meus olhos... encontro de olhos... fiquei gelado e imóvel. Sentaram-se ao meu lado; estava eu em frente da morte e do tempo que tudo consome. A morte aproximou o seu rosto do meu e pude sentir que ali não pulsava a vida, ali estava o nada. Olhei firmemente em seus olhos e fui encontrar um buraco sem fim, uma escuridão preta. Estava sendo atraído para o nada e deixei-me levar. Entrei pelos olhos da morte e mergulhei em seu interior. Nada via, nada escutava, nada sentia. Estava em um não-lugar, sem espaço e tempo, dentro do vazio absoluto. Não sabia se estava caindo ou subindo, movimentando ou parado, a ausência de referência no interior da morte é existencial. Estava em um deserto sem areia, num oceano sem mar, em um firmamento sem astros e estrelas. Dentro da morte senti que existe um vácuo infinito, uma ausência de consciência espacial. A única coisa existente era a minha consciência da existência do nada. Consciência do nada, da nulidade. Neste lugar que não é lugar, a única existência era a minha consciência que não possuía consciência de mim, consciência somente do vazio. Nenhum sentimento, nenhuma emoção, nenhum desejo, nenhuma vontade. Consciência do existir. Consciência do existir era a única realidade dentro das trevas que não eram trevas. Existir no nada, na brancura infinita e silenciosa. O nada, a brancura, o silêncio, o nada, a consciência, o existir e o vazio, são entidades semiológicas, símbolos, significantes de idéias que não possuem nenhuma relação com o interior da morte. Todos os significados que possuímos são resultantes de vivências e experiências neste mundo das formas transitórias. No mundo sem forma da morte, nenhuma idéia é possível, nada é possível, devido à ausência de experiências no nada.

Senti uma força que não era uma força me puxando e também não era um sentir, só sei que me vi novamente neste louco mundo do carnaval, sentado entre a morte e o tempo. O barulho era infernal. O sentir novamente o calor penetrando na minha pele deixou-me incomodado. Os cheiros que entravam pelas minhas narinas davam-me náuseas. O peso do meu corpo, a estrutura dos meus ossos, o funcionamento dos órgãos deu-me um sentimento de estar carregando um fardo estranho e esquisito. Voltei os olhos para o tempo e em questão de milésimos de segundos fui tragado para o interior do tempo. O tempo passou a ser um gigantesco redemoinho, puxando tudo e todos para o seu núcleo. Planetas, galáxias e montanhas estavam girando freneticamente no redemoinho, sendo consumidos pela força do tempo. Ao aproximar do núcleo senti que naquele nível o próprio tempo tinha morrido, e senti que aquele núcleo era a própria boca da morte. Tentei resistir à entrada novamente na boca escura e silenciosa da morte, mas toda luta foi em vão e fui mergulhado no núcleo.

Estou novamente sentado em uma cadeira no bar da esquina. O tempo e a morte não estão materializados ao meu lado. Desapareceram no ar, transformaram-se no próprio ar. Quando respiro sinto o cheiro da morte e do tempo. Estou sozinho, muito sozinho, mas muito sozinho mesmo, envolvido pelo tempo e pela morte.

Texto revisado por Cris

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