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Conto: O PRESÉPIO DE BENTINHO

Atualizado dia 12/3/2006 7:52:51 PM em Autoconhecimento
por Alberto Carlos Gomes Lomba


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O dia amanhecia chuvoso na favela do Alemão, no Rio de Janeiro. Bentinho, de apenas nove anos, se esforçava para ver, da sua cama, o tempo lá fora. Sua avó, conhecida no local como “Benta Feiticeira”, roncava alheia ao mundo exterior. Desviou o olhar para onde sua mãe, Marinalva, deveria estar dormindo, no seu colchão jogado no chão do pequeno quarto e notou sua eterna ausência. O menino se acostumara a isso e preferia que fosse assim, pois o barraco era tão pequeno e humilde que mal cabiam nele. Além disto, quando a mãe aparecia sempre havia motivo para discussões com Benta.

“Ocê não presta mesmo sua vagabunda, vive na beira do cais se prostituindo”. “Se eu não viver assim quem vai sustentar a casa? Suas rezas, por acaso?” E sem falar nada a benzedeira pegava as poucas notas que a filha lhe entregava.

O que mais intrigava Bentinho era o fato de ser um “branquelo”, loiro e de olhos azuis, pois seus familiares eram mulatos. Quando tomava uns cálices de pinga e acendia um charuto, Benta lembrava do americano que chegara ao porto do Rio e engravidara sua filha. “O home parecia um deus: alto, bonito, cheiroso, loiro e de olhos claros como ôce, Bentinho”, resmungava a velha quase dormindo.

A vida de Bentinho não era diferente das dos demais meninos da favela. Muita pobreza, violência e carência, sem estudos, enfim, sem futuro aparente. Mas o menino gostava dos seus amiguinhos de desgraça e até mesmo da avó, a quem considerava uma santa. Não a Virgem, pois, esta era branca e bonita e não deveria xingar palavrões. Quando Benta Feiticeira dava “consultas” para arrumar uns trocados a mais, escorraçava, carinhosamente, com ele. “Sai daqui, moleque atrevido. Num vai trapaiá meus Orixás”. E lá se ia Bentinho sorridente e correndo; empinar pipas, jogar bolinha de gude e, às vezes, ficava escondido, com os amigos, vendo os moleques maiores no caminho das drogas.

Este era seu mundo. Porém, o menino tinha uma devoção. Quando podia, subia ao ponto alto do morro para ver o Cristo Redentor. Imponente, iluminado e protegendo a cidade, fato este que o indignava, afinal, a cidade mas parecia uma praça de guerra. Bentinho ficara horas e horas conversando com o Cristo Redentor que embora nada lhe respondesse lhe dava muita paz e alegria.

Quando voltava ao barraco sua avó dava uma boa gargalhada dizendo: “Eta moleque abusado. Tava de conversa com o santo?” Com um largo sorriso abraçava a avó, seu único elo na vida, e ambos se sentiam felizes.

O Natal estava próximo e Bentinho corria para o morro a fim de pedir a vinda de Papai-Noel para o Cristo Redentor. Não queria só brinquedo e doces, como a maioria das crianças. Seu sonho era um presépio onde pudesse ver e tocar todos os componentes. Desde o Menino Jesus até os animais na manjedoura.

Certamente a grande estatua estava em falta com o garoto, pois há alguns natais que não era atendido. “Deixa pra lá”, pensava. “Afinal, primeiro ele atende os meninos da cidade e depois fica cansado para subir o morro”. Mas todos os anos a esperança voltava. Bentinho tinha certeza que em um Natal seria atendido.

Dia 24 de dezembro chegou. Mesmo na favela a alegria era total. Rodas de samba por todos os lados, enfeites, distribuição de presentes para a molecada oriundos de Ongs que trabalhavam com as favelas, sem contar voluntários e pessoas ligadas ao setor social da cidade que se mobilizavam para tornar a festa dos excluídos mais feliz. Na noite desse dia, Bentinho colocou uma roupa que tinha recebido, calçou um sapato, que mesmo usado parecia novo, e perguntou para Benta: “Vó, tô bonito?”

“Nossa moleque, ocê parece um príncipe. Tu vai conversar com o santo?” “Tô indo, vó. Quem sabe desta vez ele me atende”. E lá se foi Bentinho pelas alamedas fétidas da favela enquanto uma lágrima caia dos olhos daquela mulher. “Que minha mãe Iemanjá e meus Orixás não decepcionem mais uma vez o moleque”.

Naquela noite o Cristo Redentor estava mais lindo e uma sinfonia de cores lhe dava um aspecto de vida. Bentinho estava extasiado. Até se esqueceu dos seus presentes. Lá pelas 10 horas da noite se sentiu cansado e frustrado. Resolveu voltar para o barraco. A passos lentos ia contornando o labirinto da favela. Notou que seu barraco estava todo iluminado.

Ficou surpreso e apressou seus passos. Mais perto notou uma multidão de favelados e ficou aflito. “Será que aconteceu algo pra vó Benta?”´Os curiosos deram passagem e ninguém se atrevia a empurrar a porta do local. Quando Bentinho a empurrou viu sua avó ajoelhada e, num cantinho, um lindo menino numa manjedoura: era Jesus.

Texto revisado por Cris

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