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Da florada da Vida

Atualizado dia 7/20/2016 4:48:01 PM em Autoconhecimento
por Isabela Bisconcini


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Passei pela experiência de cuidar de meu pai e acompanhá-lo até a sua partida. Foi um longo processo. Doloroso, belo e, sem dúvida alguma, único. Não é igual a nada que já tenha passado, mesmo que minha mãe também já tenha partido e que eu tenha vivido isso. Cada experiência é única no que concerne à vida e à partida de nossos entes amados. E essas foram as experiências mais fortes que já vivi. Demorou para que eu conseguisse escrever qualquer coisa a respeito. Sobretudo porque diante da morte calamos. Escrever é uma maneira de partilhar a Vida que respira em mim e que é igual à sua.

Não vivemos coletivamente, de maneira aberta, a experiência do declínio da vida e da morte. Tal qual no filme do Pequeno Buddha, em que as flores do palácio do príncipe Siddharta eram substituídas assim que começavam a dar indícios de murchar, as plantas nos Shopping Centers também o são. Vivemos numa sociedade que cultua idilicamente a juventude perpétua, escondendo o declínio e a decadência da vida, ao mesmo tempo em que luta contra a morte. Sim, envelhecer não é fácil. E a morte natural, como parte do ciclo da Vida, foi excluída do nosso campo de visão. Foi colocada numa condição de anormalidade dentro da nossa sociedade e quem quer que tenha passado pela experiência de um hospital sabe que “é proibido morrer”. Sim. O implícito ali é: “é proibido morrer”. “Vida a qualquer custo”. Experienciei isso muito agudamente. São momentos delicados quando cuidamos de um ente querido, e a família, na maioria das vezes, diverge quanto às decisões que deverão ser tomadas, aos procedimentos que deverão ser feitos. São visões de vida que colidem, e é a visão do sistema médico-hospitalar dentro do qual estamos que impera. Não há culpados e não há a quem culpar. É o sistema. E todos que agem e decidem o fazem com a firme convicção de que é o melhor a ser feito. Cada um à sua maneira e com a sua visão.

Falo com respeito absoluto diante da experiência de acompanhar a partida de meu pai. Falo com respeito absoluto diante da experiência de acompanhar a partida de alguém. Se tivesse que usar uma imagem para isso, seria assim: prostro-me completamente, de corpo inteiro, diante de meu pai, e de qualquer pessoa na situação da sua partida.

É a grandeza da Vida que está ali na sua frente.

Quando você passa pela situação de diariamente lidar com a morte do seu ente amado, e de todos aqueles que, na mesma condição, irão partir – meu pai permaneceu por 13 meses num hospice (um hospice é um hospital de cuidados paliativos para pacientes terminais) depois de ter sido cuidado por muitos anos em casa –, quando você passa por isso, primeiro você se sente muito isolado do resto do mundo. Porque a sua experiência não é compartilhável nas redes sociais. Porque você lida com a vida COMO ELA É, sem máscaras e sem anestesia. Porque diante dessa situação tudo o mais é bobagem. E, sobretudo, porque você vê claramente a VERDADE. Inequivocamente você vê a ‘V’erdade. E a experiência da Verdade também é algo muito difícil de compartilhar, embora todos a reconheçamos quando estamos diante dela. E ela é profundamente libertadora, porque A VERDADE SEMPRE LIBERTA. E isso é algo para ser incorporado para sempre. E o que é a Verdade eu não vou falar, porque não tenho absolutamente essa pretensão, e porque isso é algo que você também vai reconhecer e sentir quando estiver diante dela. É uma experiência úmida. Sim, porque as lágrimas são inevitáveis. E são muitas. Muitas mesmo. E são sempre bem vindas. Porque é quem me deu a Vida que está partindo.

Então esses momentos tão delicados e sublimes, em que bebemos a Vida plenamente enquanto ela escoa entre os nossos dedos, e percebemos e sabemos que ela está escoando entre eles, esses momentos são o ápice, o clímax de uma vida inteira. É a flor em seus últimos e intensos instantes antes de cair da árvore. São momentos de um amor completo, que é inteiro só por estarmos ali. Ali em meio a todo desconforto, à dor do corpo, à alegria da presença. Enfim... em meio à Vida em toda a sua grandeza que está se despedindo, mas que brilha muito intensamente antes de partir. Às vezes de forma dramática. Mas talvez o momento de Vida mais plena que presenciaremos, porque estamos conscientes de quão frágil e passageira ela é. E isso é de uma beleza inigualável. É efêmero e é a Verdade. Há dor, mas há muita gratidão. Há delicadeza e momentos muito engraçados também. Há momentos gentis e outros irascíveis. A Vida está plenamente ali e está partindo. Não importam as questões que tivemos no passado. Não importa mais. E isso é tão libertador. A florada da gigantesca Árvore da Vida chegou para você e para mim através dos nossos pais. E eles se vão. Porque nessa enorme árvore chamada Vida, e na semente de vida que recebemos de nossos pais e que plenificamos a cada respiração, uma nova florada brotou. Essa florada somos nós.

Desejo que você tenha o privilégio de viver esta experiência. Desejo que você possa viver essa experiência por completo, tomando-a toda, como quem toma um copo d’ água todo quando está com muita sede. Desejo que você viva isso com o seu coração partido, mas aberto. E desejo que você não se encolha diante do medo da Morte e da Vida. Ou que se encolha, sim, mas que vá todo encolhido e retorcido mesmo. Mas vá.

Se eu puder deixar um registro da minha experiência, eu digo: não se furte a essa experiência, porque você nunca mais vai ver e sentir a vida do mesmo jeito. Porque é muito fácil a gente dar a vida por óbvia. Sobretudo quando o que vemos por toda parte são flores de plástico ou floradas contínuas e irreais de vidas sempre frescas. E a Vida nunca é óbvia.

Não é fácil, mas é lindo. Quem disse que viver era fácil?

Então, meu pai, em honra a você e em honra à minha mãe, a vocês dois que me deram a Vida, o que eu posso fazer é tomá-la toda, pelo preço exato que custou a vocês, pelo preço exato que custou a todos os meus antepassados, para que eu pudesse recebê-la. E eu a tomo plenamente. Eu a tomo completamente, com tudo que veio de vocês e todos os emaranhamentos que vieram também. E eu digo SIM à Vida com tudo que vem com ela. E o melhor que eu posso fazer, e essa é a minha oração, é vivê-la plenamente, completamente, com felicidade e alegria. Buscando acolher todos os momentos. Eu faço isso em honra a vocês. Eu digo SIM à Vida. Eu honro a Vida que recebi de vocês. Eu tomo a Vida que recebi de vocês. Sou muito grata à Vida que recebi de todos os meus antepassados e que chegou para mim através de você e de minha mãe. A Vida que trouxe todos os antepassados para mim e vivos em mim.

Deixo, por fim, a minha mais profunda gratidão e o mais profundo reconhecimento e admiração a todas as pessoas que dedicam suas vidas a cuidar dos enfermos e dos que estão partindo. A minimizar-lhes as dores, a dar-lhes conforto. Não há tarefa mais humana, mais compassiva e mais digna. Nunca conseguirei retribuir o cuidado que vocês dispensaram a meu pai. Toda a minha gratidão.

Texto revisado


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Conteúdo desenvolvido por: Isabela Bisconcini   
Isabela Bisconcini é Psicóloga Clínica e Consteladora Sistêmica. Terapeuta EMDR. Terapeuta Floral, Reiki II, NgalSo Chagwang Reiki, AURA-SOMA. Deeksha Giver. Dedicou-se por 25 anos ao estudo da psicologia budista e prática do Budismo Tibetano. Participou do Centro de Dharma da Paz desde 1988, quando Lama Gangchen Rinpoche o fundou.
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