Não Há Ninguém Aí: Silenciar os Fantasmas da Mente

Autor Paulo Tavarez

Assunto Autoconhecimento
Atualizado em 8/3/2025 6:18:37 PM

Compreender verdadeiramente o que são os samskaras pode ser uma experiência profundamente libertadora.

Na tradição hindu, samskaras são impressões mentais profundamente gravadas no inconsciente, formadas por experiências intensas - especialmente aquelas envoltas em fortes emoções. São como marcas psíquicas que influenciam silenciosamente nossos pensamentos, ações e reações, dialogando constantemente com o presente, mesmo quando não temos consciência disso.

Essas impressões emocionais, particularmente as associadas ao medo, à raiva, à culpa ou à frustração, permanecem vivas em nós, preservando os personagens envolvidos nesses eventos. Como resultado, carregamos dentro de nós uma verdadeira galeria de eus fragmentados - identidades emocionais congeladas no tempo, que voltam à tona sempre que algo no presente ressoa com o passado.

Nietzsche escreveu:
"A maior parte do nosso pensamento diário não é nosso, mas sim o eco de uma memória mal compreendida."
Essa memória emocional - os samskaras - torna-se o alicerce do que acreditamos ser, moldando decisões, interferindo em relações, limitando possibilidades. Vivemos sob a influência de fragmentos do que fomos, reagindo ao presente com emoções herdadas de tempos que já não existem.

O sofrimento surge justamente quando um desses registros assume o controle. Quando isso ocorre, não é o nosso verdadeiro ser que está no comando, mas um personagem antigo, com sua carga emocional intacta. Essa atuação inconsciente é o que, em muitas tradições, é chamado de karma: a repetição automática de padrões que não reconhecemos como tal.

Contudo, há um aspecto libertador nessa descoberta: esses personagens não existem. São apenas imagens mentais revestidas de emoção. Ainda assim, agimos como a criança que teme o lobisomem sob a cama - assustada com o irreal. Sofremos por fantasmas criados por nossa própria mente.

Como afirmou o filósofo indiano Sri Nisargadatta Maharaj:
"A libertação é saber que você nunca foi aquilo que você pensava ser."

Em minha própria trajetória, desenvolvi uma prática simples, mas profundamente eficaz. Sempre que a angústia se manifesta, recolho-me em silêncio e observo atentamente a origem do desconforto. Não fujo nem tento entender - apenas observo. E então, pronuncio mentalmente a seguinte frase:
"Não há ninguém aí. e também não há ninguém aqui para ser afetado."
Com isso, percebo que o conteúdo emocional não é parte de mim, mas apenas um reflexo condicionado. Imediatamente, ele perde força. Dissolve-se. E a paz retorna.

O sofrimento se mantém apenas enquanto estamos identificados com esses conteúdos. Acreditamos ser aquilo que sentimos. Confundimos o observador com o observado, o ser com a emoção. Mas o que ali existe é apenas um registro - e registros não têm vontade própria, nem substância. Criar vínculos com o passado é o que nos mantém prisioneiros da dor.

A realização espiritual - como o próprio termo sugere - é enxergar o real. É ver, com clareza, que aquilo que nos atormenta só possui o poder que nós mesmos damos. Romper com essa ilusão é reconhecer que não há nenhuma identidade sólida por trás do sofrimento, apenas movimento mental.

Assim, viver em paz não é evitar o sofrimento, mas compreendê-lo como miragem. É estar desperto no meio do caos ilusório da mente, e escolher, com serenidade, não reagir.

Autor Paulo Tavarez
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