No Deserto do Desejo: Jesus, Lacan e a Travessia da Falta




Autor Paulo Tavarez
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 5/21/2025 7:32:40 AM
A jornada do autoconhecimento não é a conquista de uma identidade idealizada, mas a travessia daquilo que nos falta. Jacques Lacan, ao afirmar que o sujeito é dividido e que o inconsciente é estruturado como linguagem, nos convida a compreender que a dor, o desejo e o silêncio não são acidentes da alma - são sua própria tessitura.
Essa verdade espiritual profunda ressoa com uma das mais emblemáticas narrativas bíblicas: a tentação de Jesus no deserto.
Durante quarenta dias, o Cristo se retira ao deserto - símbolo do vazio, da solidão, da ausência de referências. Ali, Ele encontra o tentador, que não representa apenas o mal exterior, mas a voz do Outro simbólico: a força que fala através de nossos desejos não elaborados, das promessas fáceis, da ilusão da completude.
"Se és Filho de Deus, transforma estas pedras em pão."
A primeira tentação é a de preencher a falta com o objeto: saciar o corpo, calar a angústia, negar a escassez.
Mas Jesus responde com uma frase que ecoa como uma ética lacaniana:
"Nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus."Ele recusa a resposta imediata ao desejo. Recusa o apelo do gozo. Ele não cede. Sustenta a falta.
Essa recusa é o que Lacan chama de "não ceder no desejo" - não no sentido de satisfazê-lo a qualquer custo, mas de permanecer fiel à sua verdade mais profunda, àquilo que nos constitui para além das imagens, das máscaras e das seduções.
A segunda tentação é ainda mais sutil: "Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo."
Aqui, o desafio é a identidade. O tentador quer que Jesus se defina pelo olhar do Outro, que prove seu valor, que reaja ao desejo de reconhecimento.
Mas Ele, novamente, não responde à provocação. Porque ser não é provar nada a ninguém.
É exatamente isso que Lacan revela: o sujeito autêntico não se sustenta no espelho do Outro, mas na travessia da própria divisão.
A terceira tentação é a do poder: "Tudo isto te darei, se prostrado me adorares."
A promessa da completude, da dominação, do gozo supremo. Mas Jesus não se curva. Ele afirma:
"Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás."Essa fidelidade aponta para um desejo que não é captura, mas abertura. Que não quer dominar o mundo, mas render-se ao Mistério.
E é exatamente esse gesto que nos liberta.
O desejo verdadeiro não é o da posse, mas o da integração.
Na linguagem de Lacan, Jesus atravessa o deserto sem ceder ao gozo, sem recuar da falta, sem se alienar no desejo do Outro. Ele não recalca, não se identifica com as imagens que o tentam. Ele atravessa o Real - esse núcleo cru da experiência onde as palavras falham, mas onde também nasce o verdadeiro sujeito.
E quando o deserto termina, diz o texto, "os anjos o serviram".
É assim também em nós: quando paramos de fugir, quando deixamos cair as defesas, quando suportamos a angústia sem anestesia, algo novo pode nascer. Uma paz que não vem da satisfação, mas da reconciliação com a própria incompletude.
Esse é o convite da espiritualidade e da psicanálise:
Não seja o que esperam de você.
Não seja o que você imagina que deveria ser.
Apenas seja o que você já é - em sua falta, sua verdade, sua abertura.









Conteúdo desenvolvido pelo Autor Paulo Tavarez Conhe�a meu artigos: Terapeuta Hol�stico, Palestrante, Psicap�metra, Instrutor de Yoga, Pesquisador, escritor, nada disso me define. Eu sou o que Eu sou! Whatsapp (s� para mensagens): 11-94074-1972 E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |