O Dia Último




Autor Waldisson Cardoso
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 28/06/2012 16:55:08
Duas horas da manhã, um vulto passa rápido por sobre a janela onde ela estava a chorar. Um brilho intenso, brilho de uma arma que, aos poucos, se aproxima de seus olhos azuis que refletem as luzes das estrelas. Sente vontade de gritar, mas um grande medo faz com que a palavra fique presa na garganta. Uma lágrima surge então, teimosa, manchando os lindos olhos azuis.
Surge um vermelho, vermelho intenso que molha toda a cortina, vermelho de sangue que corre de seu peito, sangue a molhar a mão do assassino que, procurando fugir, não encontra saída. Volta e a encontra já estendida no chão. Procura alguém ao seu lado, ninguém. A noite é apenas o descanso do dia. E este dia não foi dos melhores, nada havia dado certo, desde as seis horas da manhã quando chegou à fabrica para trabalhar. Senta-se à beira da janela onde o corpo se encontra banhado de sangue. Sangue que já escorre por toda a calçada.
E aquele dia em que ela estava linda, com aquele vestido branco, com flores no cabelo. Lindo dia em frente a igreja, um beijo, um abraço e agora um corpo, um corpo sem vida.
Bolas o dia começou mal! Primeiro o patrão que acha que seus serviços não servem mais. Droga! Sempre trabalhou muito, pontual, se houve atrasos foram só duas ou três vezes durante dois anos. Não podia fazer isso.
Olhos azuis a lhe sorrirem de manhã, era o que lhe dava mais animo para enfrentar a grande batalha que é o dia a dia. Olhos azuis que agora estão banhados de sangue. Sangue que mancha sua linda cor.
Se seria um dia tão ruim assim, por que? Por que então tinha de acordar? Parece que tudo ficou guardado pra acontecer de uma só vez. Logo no portão o dono do açougue cobrando o quilo de carne semanal que ainda não pagara, mas hoje ainda é sábado. Ou o dia de pagar era sexta?
Qual teria sido a razão? Justa causa por que? O que teria feito? Poxa, sempre fora honesto, trabalhador pontual. Justa causa. Por que?
O sangue toca seus pés, olha para os olhos azuis que agora não passam de um grande vermelho.
Quando a conheceu, ela corria pelos campos brincando atrás de um pássaro que voava. Lindos olhos azuis, sempre soube ser uma companheira amiga e carinhosa. E agora o sangue ainda quente molha seus pés. O barulho do portão na hora da discussão com o açougueiro ainda estava em seus ouvidos. E agora não há mais carnes. Justa causa foi o que recebeu.
O moleque que atirou aquela pedra. Sem querer? Ou mais um fato que tinha de acontecer neste dia. O galo ainda na cabeça não doía mais, ou não estava sentindo mais nada. Um vazio, sim, um grande vazio era o que sentia dentro do peito. Sente uma lágrima na face quando olha o corpo estendido ao lado.
Não estava bêbado. Não quando saiu da fábrica. Primeira vez que sai pouco depois de chegar. Bebeu sim, mas pouco, apenas para por as ideias no lugar. Justa Causa!
Mas por que olhos azuis tinha de discutir? Não tinha feito nada. Um leve cheiro de álcool, sim, mas pouco. Era motivo? Por que teria sido mesmo a discussão? Depois sim foi que bebeu mais alguns goles. Saiu e a deixou falando sozinha. Demorou, mas pra dar tempo de esfriar a cabeça. Duas ou três horas da manhã chegou. E que horas seriam aquelas?
Justa causa! Veja só. O aluguel, amanhã é dia de pagar o aluguel. Também é dia de receber o salário. Salário! Acerto de contas, isso sim.
Outra lágrima escapa dos olhos. Começou a ficar mais frio.
Quantos palavrões disse àquela senhora dentro do ônibus de manhã, só porque ela pisou em seus pés. Também quem mandou não olhar por onde anda, velha sem educação, mas pediu desculpas.
Porque será que olhos azuis tinha discutido, porque gritara?
As estrelas as mesmas. A vida não, a vida muda e um dia acontece tudo, como uma bomba relógio esperando a hora de estourar. E no momento tudo explode.
Onde andariam os amigos? Não tinha visto nenhum ainda, estaria algum acordado? A esta hora da madrugada não. Justa causa e ninguém apareceu. Amigos bolas, nem mesmo aquele que se declarou o melhor de todos.
O dono do bar foi lembrar logo nesse dia dos cigarros que devia. Ia pagar, como pagaria a carne, o aluguel. Não tinha um pouco de educação, e ainda chama de pinguço. Não bebia muito, tinha certeza. Alguns tragos a noite, mas nunca o bastante para embriagar, não, não bebia muito, tinha certeza. Pinguço! Bolas para o dono do bar.
Amanhã é dia de compras, olhos azuis adora fazer compras, sempre com um belo sorriso, boa companheira. O que iria comprar amanhã? Talvez as mesmas coisas de sempre. Um vestido, sim um vestido novo pra ela seria um bom presente. Há quanto tempo não compravam roupas novas, olhos azuis iria adorar. Outra lágrima escapa dos olhos quando a mão toca o corpo já frio ao seu lado, os dedos sentem o sangue e outra lágrima.
Quando criança, correndo pelos campos, isso era bom, não havia patrão, não havia dono de açougue e nem dono de bar. Somente a liberdade para correr, brincar, namorar. Namorar! Só quando conheceu olhos azuis, primeira namorada, eterna companheira. Crianças a brincarem juntas, adultos a enfrentarem os problemas da vida. Amigos, companheiros, amanantes. Olhos azuis, saudades de um abraço, de uma palavra de conforto. Em frente a igreja com seu lindo vestido branco, a promessa de eterno amor, até então cumprida.
Justa causa! Se soubesse ao menos por que. Com tantos planos já em andamento, não podia, era injusto. Mas era o patrão, injustiça, mas era o chefe. Justa causa, por que?
Se olhos azuis não tivesse brigado, teria contado a ela. Nem deu tempo, não deixou falar nada. Teve de deixá-la falando sozinha. Por causa disso, sim, por isso havia bebido muito. Não muito, um pouco mais. Ela não devia ter brigado, nem teve tempo de contar.
Lindo rio aquele onde costumava nadar, onde ficava horas sentado à beira pensando em ir para a cidade. A fazenda era tão boa, apesar de não pertencer aos seus, mas era boa. La conhecera olhos azuis. A cidade tão sonhada, quantas quedas.
Olhos azuis, um simples corpo estendido ao chão manchado de sangue. Estaria sentindo aquele frio?
A arma ainda na mão, outra lágrima. Justa causa, o açougueiro, a pedra, a cidade, o vestido novo, o aluguel, o corpo no chão, o patrão, o frio, lágrimas e lágrimas. Um grito na garganta, um soluço, a arma suspensa. O sangue, o barulho do portão, pinguço, desculpa, a arma. Um soluço, olhos azuis, a arma, um frio maior. Traz a arma de encontro ao peito misturando o sangue com o de olhos azuis. Um ultimo grito, Por que?









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