Menu

O mendigo

Atualizado dia 6/26/2006 6:35:15 AM em Autoconhecimento
por Bernardino Nilton Nascimento


Facebook   E-mail   Whatsapp

Conversando com minha amiga Cris, do STUM, contei sobre um mendigo que conheci quando era adolescente e ela sugeriu que transformasse essa história em um artigo.

Eu era jovem e, naquela época, estava cursando o 2º ano ginasial; ainda não existia 1º e 2º graus; era primário, ginásio, científico e escola técnica, onde se aprendia uma profissão. Era muito difícil entrar para uma escola técnica federal.

No bairro onde eu morava vivia um casal de mendigos que formavam um par romântico. Podemos chamá-los de alma gêmeas. Ele era filho de um coronel do Exército e ela, muito pobre. A família dele não aceitava a mulher por ser pobre e em vez de tentar ajudá-la, proibiu que se relacionacem. Ela, por sua vez, saiu de casa e foi parar nas ruas, virando mendiga. Depois de algum tempo tentando esquecê-la e não conseguindo, foi procurar a sua amada e acabou morando com ela nas ruas. Às vezes ele era apanhado pela família e depois de uma ou duas semanas aparecia de cabelo cortado e roupa nova, procurando a mulher amada. Mas logo estava sujo e rasgado de novo, como ela.

Eu e meus colegas de colégio tivemos acesso a essa história de amor por que nos tornamos amigos do casal. No começo foi por interesse, mas depois virou amizade, pelo menos de minha parte. Um dia, chegando do colégio, entramos na lanchonete do Sr. Gabriel para fazer um lanche e aproveitamos para dar uma olhada no caderno e fazer o dever de casa. Falávamos alto e tínhamos muitas dúvidas sobre as atividades. Ele escutou, se aproximou e nos explicou a tarefa. Na hora, ficamos um pouco assustados e o comentário entre os colegas foi geral.

A partir daí começamos a juntar o dinheiro da merenda para comprar o famoso prato-feito da lanchonete em troca das "aulas de reforço". Primeiro foi só matemática, depois as demais disciplinas, até mesmo inglês. Ele nos ensinava entre um gole e outro, até onde o dinheiro desse, incluindo o almoço.

Eu, não satisfeito, almoçava e voltava à rua para jogar bola e depois procurar o mendigo. Lembro bem que ele estava sempre ao lado dela. Às vezes brigavam, mas ele sempre ia atrás dela, fosse qual fosse o motivo da briga. Vi, muitas vezes, os dois dormindo juntos, agarrados entre os jornais, pelas calçadas. Nessa época não enxergava o lado lindo do amor de um pelo outro e só queria mesmo os seus conhecimentos.

Até que um dia ele me contou sua história de amor por ela. Então, fui ficando mais íntimo e ele foi me ensinando, não só os deveres do colégio, mas também as coisas da vida, do amor, da educação, da amizade. Falou que a sua família preferia vê-lo na sarjeta, a aceitar o amor dos dois. Os favores que os donos das lanchonetes e botequins prestavam eram tudo em troca de cachaça para ele e para ela, e mais um resto de comida que, muitas vezes, colocavam nas latas de goiabada que os dois carregavam.

Certo dia, meditando, me lembrei de alguns detalhes daquele casal tão especial. Ele morreu logo depois dela, num espaço de mais ou menos 15 dias. Deixaram uma lição de amor. Mas muito em particular para mim, porque pude aproveitar mais, buscar mais ensinamentos. Meu pai havia se separado de minha mãe e ele, o mendigo, acabou sendo uma âncora para mim naqueles momentos difíceis da minha vida, quando a maconha estava em toda parte. Lembro que ele dizia que era melhor eu tomar umas cervejas do que cair na onda das drogas. Nunca tive a mínima vontade de fazer essa viagem e preferi mesmo tomar minhas cervejas, mas depois deixei de beber qualquer bebida alcoólica.

Ele gostava de redação e tinha um bom conhecimento sobre Política, Geografia e História. Ficávamos horas falando sobre os países e suas políticas. Era filho de coronel, mas falava da ditadura como se fosse um veneno para o Brasil. Também não gostava do comunismo. Dizia que, assim como a ditadura, o comunismo só ajudava a quem estava no poder, o resto era só propaganda. Falava sobre religião e sempre estava na Igreja de São Sebastião. Tinha bastante conhecimento de outras religiões para explicar sobre elas.

Andava sujo e todo rasgado, mas ajudava a todo mundo. Às vezes eu me perguntava: “Por que ser mendigo já que tinha muito conhecimento e, com certeza, não precisava do pai para trabalhar?”. Preferiu morar com a mulher amada pelas ruas, e ela, por sua vez, não queria mais largar a vida de mendiga. Bebia mais que ele. Não sei, mas parecia que com isso colocava em teste o amor do seu homem por ela. Quando a família dele o pegava, ela ficava sozinha pelas ruas, perdida, consumindo mais bebidas, sem se alimentar e não fazia nada para ninguém. Mas logo ele dava um jeito de fugir da família e voltava para as ruas, ficando sempre ao lado dela.

O “Mendigo”, uma pessoa estudada, um lindo amor, a solidão das ruas. Não fazia mal a ninguém, falava pouco. Hoje, olho para os mendigos do bairro com outros olhos. Quem teria sido este espírito em outras vidas? Encontramos tantas pessoas diferentes em nossas vidas, sem saber quem são ou quem foram em em vidas passadas. Acabamos fugindo com medo e às vezes as maltratamos com palavras e damos as costas. Recebi ensinamentos de um mendigo que poderia ser um empresário, um padre, um guru, um monge, um pastor... não sei dizer. Mas era só um mendigo! As lições foram aprendidas, os ensinamentos quase todos colocados em prática. Um “mendigo” que se tornou meu amigo. Um ser que fez a diferença nesta vida e, possivelmente, fará lá em cima, e em outras vidas.

Minha principal lição: somos todos importantes dentro do Universo, um para o outro, sem saber quem, mas todas as pessoas acabam sendo importantes para alguém, como também somos importantes para Deus. Fazemos parte do todo e sem um, a criação fica desfalcada e deixa de ser o “Todo”.

Somos ímãs dos nossos medos, dos nossos pensamentos, das nossas atitudes. Quanto mais medo, mais fantasmas. Ele quis ser mendigo, se projetou mendigo em troca da mulher amada. Isso também vale como lição. Tudo tem seu preço, nada vem sem a nossa doação. Esta doação de que muitos falam e que é sofrida, é o preço que escolhemos para pagar como pedágio na subida da escada de Luz rumo à paz e à verdadeira felicidade.

Quando encontrar alguém pelas ruas, por acaso, pense antes de tomar qualquer atitude grosseira. O que ela foi na outra encarnação? O que você pode ter feito a ela na outra encarnação? Qual a dívida que essa pessoa tem com você? Qual a sua dívida para com ela? Acredite, somos todos ligados, uns aos outros, por ondas magnéticas, e a energia que você manda é a mesma que vai receber.

BNN

Texto revisado
Gostou?    Sim    Não   

starstarstarstarstar Avaliação: 5 | Votos: 214


estamos online   Facebook   E-mail   Whatsapp

foto-autor
Conteúdo desenvolvido por: Bernardino Nilton Nascimento   
"Não seja um investigador de defeitos, seja um descobridor de virtudes"./ "Quando a ansiedade assume a frente, as soluções vão para o final da fila"./ "Quando os ventos do Universo resolve soprar a favor, até os erros dão certo". BNN
E-mail: [email protected] | Mais artigos.

Saiba mais sobre você!
Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui.
Deixe seus comentários:



Veja também
© Copyright - Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução dos textos aqui contidos sem a prévia autorização dos autores.


Siga-nos:
                 




publicidade










Receba o SomosTodosUM
em primeira mão!
 
 
Ao se cadastrar, você receberá sempre em primeira mão, o mais variado conteúdo de Autoconhecimento, Astrologia, Numerologia, Horóscopo, e muito mais...


 


Siga-nos:
                 


© Copyright 2000-2024 SomosTodosUM - O SEU SITE DE AUTOCONHECIMENTO. Todos os direitos reservados. Política de Privacidade - Site Parceiro do UOL Universa