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O poço (contos que ouvi )

Atualizado dia 12/7/2006 10:13:19 PM em Autoconhecimento
por Roberto Perche de Menezes


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Estão casados há 60 anos e morando na mesma casa desde então. São meus pais.

Casaram-se e mudaram para a casa que é continuação, nos fundos, do prédio comercial onde instalaram seu negócio. Tudo isso numa pequena cidade do interior paulista. A cidadezinha não possuía água encanada ou esgoto, as ruas não eram pavimentadas e a energia elétrica acabava às 22 horas.

Na rua do comércio, onde estavam instalados, todas as residências ficavam nos fundos das casas comerciais e os quintais eram comuns, sem cercas ou muros a dividi-los. E, como era comum e necessário, havia poços que serviam várias casas ao mesmo tempo.

Um dia o vizinho da direita reuniu todos os que se serviam de determinado poço e disse que, vendo com calma as escrituras dos terrenos, concluira que o poço estava em seu terreno, que iria fazer balaustres e que cada um que perfurasse seu poço, se quisesse. Desde aquele tempo já se sabia que leis podem até ser injustas, mas têm que ser obedecidas. Meu pai, então, contratou alguém para carregar água em baldes para casa, até que um posseiro terminasse de perfurar e emparedar um poço em seu próprio quintal.

Tempos depois o vizinho mudou-se para outra cidade e nunca mais se ouviu falar dele, posto que não tinha lá outros familiares.

O tempo passou. A cidadezinha não cresceu mas passou a ter água encanada e esgoto, as ruas foram pavimentadas, ganhou telefones e telégrafo. Meus pais ganharam filhos. O poço foi aterrado e a casa foi sendo aumentada à medida que a família crescia.

Sessenta anos, e uma tarde entra um jovem senhor na farmácia de meu pai. Olha admirado as prateleiras antigas, a caixa registradora (que funciona!) que é sonho de consumo de antiquários. Acostumado a ver expressões como aquela em rostos de visitantes, meu pai aproximou-se do balcão.

- Boa tarde.
- Boa tarde, estou admirando as instalações! Disseram que o senhor é o mais antigo comerciante da cidade, por isso vim aqui. - disse o homem, de forma simpática.
- O mais antigo e o mais velho, disse meu pai sorrindo. Em que posso ajudá-lo?
- Nada demais. É que vim a negócios à cidade vizinha e aproveitei para conhecer a cidade onde meus pais se casaram. Talvez o senhor os tenha conhecido!
- É provável - disse meu pai. Como era seu nome?

Era o vizinho do poço! Meu pai, claro, não comentou aquele incidente com o filho. Mesmo porque havia sido um episódio em uma relação de vizinhança. Disse que conhecera, sim, seu pai, que haviam sido vizinhos e contou episódios outros que o homem ouvia divertido.

Por fim meu pai perguntou: - E seu pai, como está? Nunca mais tive notícias dele.
- Ih, meu pai está muito mal! Está com câncer de esôfago, não está conseguindo engolir nada.
- Nem água?
- Pois é, nem água.
Minha mãe, que até então não participara da conversa, olhou com certa reprovação para meu pai, mas não disse nada.

À noite, quando fui visitá-los, fiquei sabendo do ocorrido. E o interessante é que eu desconhecia o episódio do poço. Minha mãe contou-me a conversa da tarde, no balcão da farmácia, e disse, entre crítica e risonha, sobre a pergunta de meu pai a respeito de o ex-vizinho não estar engolindo nem água:
- Você conhece esse velho, não é filho? Você sabe como ele fez a pergunta, não sabe?
Meu pai ainda argumentou: - É uma expressão popular: não estou conseguindo engolir nada, nem água!
- Mas não foi assim que você disse! - falou minha mãe.

Meu pai, então, ficou sério e disse o seguinte:
- O que esse moço veio fazer aqui, hoje, na farmácia?
- Veio conhecer a cidade onde os pais dele se casaram, disse minha mãe.
- Não!, disse meu pai, mais sério. Nem ele sabe o que veio fazer aqui e eu não contei porque ele não precisava saber. Ele veio aqui nos contar que o homem que um dia negou água, hoje não consegue engolir nada. Nem água!

E continuou: - E eu aprendi que pode-se estar com 83 anos, mas sempre se tem o que aprender. Se essa notícia tivesse chegado ao meu conhecimento anos atrás, talvez eu até tivesse ficado contente, e não teria extraído dela a lição necessária. Mas hoje encaro de forma diferente esse fato e entendo que nunca se pára de aprender sobre as conseqüências de nossos atos.

Mais ele não disse, e mais não se falou sobre o assunto naquela noite.

A vida ensina, aprende quem quer.

Texto revisado por Cris

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