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Uma história de amor - continuação

Atualizado dia 10/2/2006 9:44:42 PM em Autoconhecimento
por Celso A. Cavalheiro


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Capítulo 8

"Não gosto de ver esse gato por aqui... dá um aspecto de falta de higiene", disse uma cliente metida a besta. Seu José fez-se de bravo e, como de costume, enquanto fingia pegar a vassoura para me afugentar dali eu já estava bem longe. Só fiquei sentido porque aquela mulher chata acabara afugentando também o gato velho que estava me contando a história da minha família.

Era uma tarde de domingo. Enquanto caminhava pela pracinha e via as crianças brincando sob o olhar atento de seus pais, tão carinhosos e zelosos em volta delas, pensava comigo: como é bom ter uma família, alguém que nos ame, que se importe conosco. E eu que sempre quisera ser adotado estava descobrindo, graças ao gato velho, que eu também tinha tido uma família. Que, na certa, deveria ter sido amado algum dia. Podia dizer naquele momento, enquanto tantas crianças brincavam com suas famílias, que eu também tinha uma história e já não era tão infeliz. Não lembrava de minha mãe nem de meu pai, mas já sabia um pouco de minha vida. E isso era melhor do que não ser ninguém.

"Não acredite em tudo o que esse gato diz. É um sonhador. Vive perambulando por aí procurando otários para contar histórias", diziam-me alguns ciumentos. Sempre tem um montão de gente querendo desmanchar os nossos sonhos. Eu sabia que o gato velho estava contando a verdade por isso esperei pacientemente até que ele se decidisse continuar a história.

Capítulo 9

Seu Joaquim parecia não melhorar com o novo tratamento. Sentia muita falta de casa, das árvores, do cheiro do mato, de tudo. Até o sol que ele tanto adorava ver nascer parecia agora nascer no lugar errado. Não conseguia se orientar direito. As coisas tinham mudado muito e ele estava mais triste e mais doente.

Minha mãe pensara muitas vezes em fugir. Passava horas a fio olhando na direção do horizonte, sonhando com o dia em que sairia em disparada por aqueles cerros e vales, sem olhar para trás, para resgatar seu mundo que havia ficado tão distante. Mas naquele momento não poderia fazê-lo. Seu Joaquim não resistiria a um golpe desses. Estava cada vez mais apegado a ela e mamãe sabia o quanto era importante para ele. As pessoas solitárias parecem apegar-se aos animais com mais intensidade e os gatos são animais com muita intuição, por isso mamãe sabia que não poderia abandonar seu Joaquim naquele momento. Ele, certamente, morreria de tristeza. Restava-lhe somente sonhar e esperar, quem sabe, que papai a descobrisse ali.

Nos últimos dias ela também não andava se sentindo lá essas coisas. Sentia-se sem forças e passava a maior parte do dia com o olhar distante. Comia pouco e já não tinha vontade de correr, subir em árvores atrás de passarinhos, andar horas a fio pelos campos e cheirar as flores, como fazia com papai.

Um dia ouviu dona Genésia dizer: "Eu acho esta gata muito triste e diferente; a barriga está crescendo a cada dia. Deve estar prenhe, a coitada! Vamos ter que levá-la a um veterinário." Minha mãe quase teve um troço. Saiu correndo sem parar pelas ruas e campos da cidadezinha. Tinha na alma uma mistura de alegria e medo e não conseguia pensar direito. Filhos! Sempre ouvira seu Joaquim e Dona Genésia falar em filhos. Sabia como eles eram importantes para um casal. Tinha os visto chorar tantas vezes sonhando em tê-los. Lembrava de papai. O que diria ele quando soubesse? Na certa pularia de alegria, sairia correndo, subindo e descendo árvores e ela teria que lhe chamar a atenção pois, na certa, ele nem se importaria de parecer ridículo diante dos outros gatos. Sim, ela sabia como seria bom tê-los junto com papai. Mas o que faria sozinha? Estava morrendo de medo. Precisava urgentemente de uma amiga. Alguém que pudesse orientá-la. É muito importante ter amigos. Mamãe sabia disso muito bem.

Lembrou-se, de repente, da voz que ouvira naquele sonho lindo. Procurou-a desesperadamente em sua mente, em sua alma. Mas não conseguia relaxar. Quanto mais tentava um contato, mais desesperada ficava. Levantou-se e caminhou de volta sobre os próprios passos. Não sentia mais seu corpo. Não ouvia. Não conseguia pensar. Se não fosse aquela dor tão forte no peito, pensaria que talvez já estivesse morta.

Capítulo 10

Papai já não era o mesmo. Raramente ficava em casa. Passava dia e noite andando sem rumo pela vizinhança, arrumando encrenca com tudo que era gato que aparecia. Já não era nem sombra daquele filósofo cheio de autoconfiança que contava histórias e falava de felicidade e de vida. Há muito não tomava banho. Tinha o pelo sujo e todo cheio de pega-pegas. Parecia não se importar com nada e era visto andando pela vizinhança na companhia de gatos mal-encarados e malcheirosos, em becos escuros e imundos.

Bernardo tentara ajudá-lo de todas as formas mas o amigo tão fiel não o ouvia mais. Passava as noites atrás de gatas irresponsáveis e levianas, dessas que não deixam ninguém dormir à noite com uivos desesperados e que os cães tanto detestam.

Perdera muitos quilos, o coitado do papai! Dormia pouco e enquanto dormia tinha um ronco estranho e desafinado.

Um dia Bernardo inventou-lhe umas histórias de gatas lindas que havia visto na veterinária e conseguiu arrastá-lo até lá numa tarde de chuva e vento, quando nada tinham para fazer. Seu Marciano, o veterinário, reconheceu-o assim que o viu entrar e levou um susto. Segurou meu pai firmemente com uma das mãos e escutou-lhe o coração e o pulmões que, segundo ele, já estavam bastante enfraquecidos pela pneumonia. Meu pai odiava injeções, fugia delas como o diabo foge da cruz, mas naquele dia teve que tomar mais de uma.

Bernardo olhava tudo de um canto, meio escondido. E enquanto papai o fuzilava com um olhar de raiva, Bernardo se sentia feliz por haver ajudado o amigo infeliz. "Um dia ele vai compreender", pensava Bernardo, "e ainda vai me agradecer." Seu Marciano trancou papai em uma gaiola por uma semana e só o deixou ir depois de avisar seu Valdemar, que veio buscá-lo imediatamente.

Texto revisado por Cris

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