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Uma história de amor - continuação

Atualizado dia 10/16/2006 5:12:06 PM em Autoconhecimento
por Celso A. Cavalheiro


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Papai era muito orgulhoso para ter algum drama de consciência. Não fora educado para respeitar os sentimentos dos outros. Sentira-se sempre o centro das atenções. Mas agora, no entanto, estava mais maduro. Havia sofrido demais. Começava a dar valor às pequenas coisas. Não olhava mais para os outros gatos como se fossem inferiores e começava a valorizar neles a experiência que haviam adquirido na dureza do dia-a-dia. Sentia-se até um pouco envergonhado por ter passado anos vendo a vida da janela. Sabia que tinha muito ainda para aprender e estava disposto a não perder um só segundo.

Um dia papai viu o trem afastando-se na direção do pôr-do-sol e se foi atrás dele como quem vai atrás de um sonho, devagar mas com passos firmes e decididos. Enquanto caminhava pela estrada de ferro, meu pai foi colhendo histórias de outros gatos. Histórias de encontros e desencontros, de alegrias e dores, enfim, de vida. Às vezes, quando se sentia seguro, perguntava se alguém havia visto mamãe. Geralmente a descrevia com um pouco de timidez e ficava envergonhado quando alguém lhe perguntava, como ele havia deixado ir embora, uma gata linda como aquela.

Em cada lugar onde parava aprendia um pouco mais. Já não era nem sombra daquele gato que um dia Bernardo havia recolhido no meio da rua.

Capítulo 17

“Deixe de me olhar com essa cara de besta e vá ver alguma coisa para eu comer. Você não vê que eu estou morrendo de fome e sede?”, disse mamãe a Felício que, até agora, parecia estar sonhando. “Estrelas também comem, sabia? E se eu não comer vou voltar lá para cima mais cedo do que você imagina.”

Felício saiu como um bólido em direção à casa da fazenda e em minutos voltou com um pedaço de carne tão grande que mal podia carregar. Estava exausto, mas estava tão feliz que seria capaz de ir e vir cem vezes só para ver aquele brilho de felicidade no olhar de mamãe.

“Você é um bom gato”, disse mamãe depois de comer e beber água na barragem, “mas é muito ingênuo. Pensa que sou uma estrela e eu não passo de uma gata comum e triste em busca de um sonho, em busca da vida que eu deixei muito longe. Só preciso descansar um pouco e depois vou seguir viagem. Não quero que você se apegue a mim.”

“Não importa quem você é”, disse Felício. “Minha vida jamais será a mesma daqui para a frente. Para mim você vai ser sempre uma estrela. Eu vou seguir você aonde você for e vou ajudá-la a encontrar seu amor. E vou ser feliz só porque você vai estar feliz.”

Minha mãe ficou calada. Sabia que quando se está apaixonado até os maiores absurdos parecem ter lógica.

Capítulo 18

“Aqui não há lugar para você”, disse um gato gordo, de cara redonda, que estava deitado em cima do balcão de um armazém de beira de estrada onde papai chegou para descansar. “É bom você dar meia volta e ir embora.” Meu pai olhou para um lado e para outro. Um velho bêbado, com um toco de cigarro babado no canto da boca, cochilava com a cara enfiada numa mesa de lata ao lado de um copo de cachaça. De vez em quando erguia a cabeça e arregalava os olhos como para se certificar de que o mundo ainda estava ali. Sugava o cigarro e, depois, com olhar incrédulo, observava longamente a ponta apagada. Então, puxava do bolso um isqueiro fedendo a gasolina e queimava os bigodes tentando acender o toco de cigarro. Dava umas baforadas e voltava a cochilar.

Meu pai ficou imaginando a história daquele bêbado. Havia, na certa, perdido o rumo de casa algum dia e, agora, não fazia mais diferença para ele estar aqui ou ali, vivo ou morto. Somente esperava a vida passar, espiando de canto de olho pela janela, como um passageiro que espera, impaciente, que a viagem acabe depois de cansativas horas dentro de um trem.

Eu podia ser esse bêbado, pensava meu pai. Esse pobre homem desistiu de sonhar e quando abandonamos nossos sonhos todos os caminhos parecem como a estrada de ferro, tristes e sem fim. Talvez esse pobre homem tenha deixado o melhor de sua vida nalgum lugar do passado e esquecido o caminho de volta. Talvez, como eu, tenha sido presunçoso e egoísta e tenha deixado escapar a chance de ser feliz.

“Não vim procurar encrenca”, respondeu meu pai ao gato gordo. “Só estou procurando alguém. Acho que ela deve ter passado por aqui. Só preciso descansar e juntar forças para seguir adiante.”

“Esta estrada é infinita, muitos desistem no caminho. E você não tem cara de quem vai conseguir ir muito longe.” Disse o gato gordo.

“Não importa o fim da estrada. O importante é estar nela e andar sempre. Sabe, é até bom que esta estrada seja infinita pois, assim, eu já me sinto perto de alcançar o meu destino e já começo a sentir o cheiro da felicidade.”

“Se ela era tão importante para ti, por que a deixaste ir?” perguntou-lhe o gato gordo com ar de deboche.

“Porque eu era como esse bêbado. Pensava que eu era o fim da estrada e que todas as coisas viriam a mim. E perdi muito tempo com pena de mim e sendo infeliz.”

O gato gordo ficou pensativo, deixou passar alguns minutos e depois perguntou em alto e bom som: “Posso ir contigo, companheiro? Eu também estou cansado de ver a vida passar. Estou cansado de comer e dormir em cima desse balcão, sentindo cheiro de fumo e cachaça o dia todo. Também quero buscar meu próprio destino.”

Os dois caminharam em direção à porta. De repente ouviu-se um barulho de algo pesado caindo ao chão. Uma voz abafada gritou de trás do balcão: “Morreu!” “Quem morreu?” perguntou meu pai ao gato gordo, um tanto assustado. “O velho morreu.” Disse o gato gordo. Papai não disse nada. Compreendia o que o gato gordo queria dizer. Uma nova vida começava para ele naquele momento.

Os dois gatos saíram calados pela via férrea. O gato gordo havia redescoberto a esperança. Aprendera que sempre quando se persegue um sonho, esse mesmo sonho também está em busca de um mundo onde possa se tornar realidade.

Texto revisado por Cris

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