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O SONHO DA TERRA

Atualizado dia 11/30/2010 10:16:11 AM em Espiritualidade
por Oliveira Fidelis Filho


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"Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido". Charles Chaplin.

A Terra é a matéria prima dos homens. É um salutar exercício de humildade reconhecer tal conexão com a Mãe Gaia, até porque, etimologicamente, humildade e homem provem de húmus do latim. Os "humanos", portanto, são feitos de húmus; a pessoa humana pode ser entendida como um pedaço de húmus contendo o sopro divino. Creio ser possível extrair destas considerações o fundamento do mais elementar e profundo princípio de ecologia e que tal entendimento constitui um eterno e sagrado chamado à humildade.

Quando no livro sagrado cristão lemos que Deus formou o homem da terra e que sobre ele soprou o fôlego da vida, não se refere a qualquer terra, não se tratava de argila, é adamah, terra fértil. Adão, portanto, emerge de adamah, aqueles 12 a 15 cm de solo cultiváveis. A terminologia hebraica conserva a lembrança de que o ser humano é feito da Mãe-Terra e que a ela está embrionariamente ligado.

Sob o ponto de vista do olhar do cristianismo, a ligação do ser humano com a Terra possui sua origem em basicamente duas referências do livro de Gênesis. Em Gn. 2.15 lemos: "Então o Senhor Deus pôs o homem no jardim do Éden, para cuidar dele e nele fazer plantações." A linguagem aqui usada difere significativamente da que se encontra em Gn. 1.28. A ênfase em Gn. 2.15 se limpa do conceito de dominação presente em Gênesis 1.28, evoluindo para a dimensão do cuidado. Agora este Adam, homem formado a partir de adamah, do húmus, da terra fértil, é descrito como possuindo uma percepção mais expandida, humanizada e divinizada, reconhecendo-se com o ser que cuida.

Entre as tentativas de oferecer resposta à origem do homem e sua relação com a Terra, o mito de Gaius Julius Hyginus, fábula-mito do Cuidado, é uma das que encantam.

O Mito do Cuidado nos brinda com uma construção literalmente fabulosa: "Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma idéia inspirada. Tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter. Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado. Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome. Enquanto Júpiter e Cuidado discutiam, surgiu, de repetente, a Terra. Quis também ela conferir o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da terra. Originou-se então uma discussão generalizada. De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro.

Este tomou a seguinte decisão que pareceu justa: Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da morte dessa criatura. Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer. Mas Você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver. E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada humano, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil".

Admiráveis são também as palavras de São Paulo escritas há quase dois mil anos ao se referir a Criação, a Terra e sua involuntária e degradante sujeição aos interesses motivados pela vaidade humana. Para Paulo a Terra abriga um sonho que ele interpreta nos seguintes termos: "A ardente expectativa da Criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a Criação está sujeita a vaidade não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria Criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus". O sonho da Terra, portanto,  é ver-se livre do cativeiro a que foi submetida, é partilhar da redenção da humanidade pois a redenção dos homens é a sua redenção.

O poeta e rei Davi ao declarar que "os céus são os céus do Senhor, mas a Terra deu-a Ele aos filhos dos homens", deixa claro que o que acontece com a Terra é responsabilidade humana. Ainda que em praticamente todas as religiões o céu seja pensado e projetado em algum espaço/tempo fora da Terra, não resta dúvida de que o cuidado com Gaia antecede qualquer mandamento divino ou esperança paradisíaca. Até porque a falta de cuidado com a Terra tem colocado a raça humana em rota de colisão com a Natureza e à beira de um tangível e amedrontador inferno terrestre. Pelo menos 21 mil pessoas morreram nos primeiros nove meses deste ano devido a desastres climáticos no mundo, o que representa mais do que o dobro do que em 2009, conforme relatório da organização humanitária britânica.

O distanciamento da Terra agride a própria essência humana. Lamentavelmente, tanto em nível tecnológico quanto religioso, o que se busca é o distanciamento.  A ciência e a tecnologia dispõem de meios capazes de transformar a Terra em um verdadeiro "Jardim do Éden". No entanto, dirigem a maior parte desta capacidade para esgotar seus já parcos recursos. Na busca de identificar novos planetas, revela-se a dificuldade de identificação com a "nave mãe". A religião, por sua vez, suspira por um céu que não se vê, enquanto dirige-se para os mais variados templos, indiferente ao gemido agonizante da Terra, cada vez mais à mercê de salteadores. São milhões os que esperam ir para o céu enquanto destroem o paraíso sagrado da Terra.

O sonho da Terra tornar-se-á realidade quando o conhecimento humano se deixar polinizar pela sabedoria divina e quando os religiosos e espiritualistas voltarem seus corações para a Terra, cercando-a de amoroso cuidado.
O sonho da Terra é que o sopro divino preencha plenamente o húmus herectus levando-o a plainar acima das garras da ignorância, do ódio e da ganância, movendo-o rumo a um existir fértil de amoroso cuidado.

Não é mais possível que a Terra continue a ser comprada e negociada para ser possuída e agredida; precisa ser resgatada, amada e cuidada. Que tal investir no resgate da Terra? Não me refiro aqui, necessariamente, ao mercado de resgate de carbono e sim de atitudes amorosas e altruístas orientadas pelo prazer de preservar e cuidar. Podem ser milhares de hectares  ou uma pequena chácara. Vale ainda transformar uma área cimentada em área verde, em jardim, em bosque, mesmo que seja minúsculo; o Criador e a Criação agradecem.

Se desejarmos estar perto de Deus, aproximemo-nos mais da Terra, pois é primeiramente sobre ela que o sopro divino de Vida incide. Deixemos por herança, a este singular planeta azul, filhos que foram ensinados a cuidar da Terra.
Texto revisado

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Conteúdo desenvolvido por: Oliveira Fidelis Filho   
Teólogo Espiritualista, Psicanalista Integrativo, Administrador,Escritor e Conferencista, Compositor e Cantor.
E-mail: [email protected] | Mais artigos.

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