Crises de Identidade: Quando a Vida Pede um Recomeço




Autor Valter Cichini Junior
Assunto PsicologiaAtualizado em 9/8/2025 8:14:57 PM
Tem momentos em que a vida parece nos colocar contra a parede. Tudo o que antes parecia certo começa a vacilar. As certezas que sustentavam nossa rotina, o trabalho que escolhemos, o relacionamento que construímos, os planos que fizemos, de repente perdem o sentido. É como se algo dentro de nós dissesse: "Assim não dá mais". E por mais assustador que isso pareça, pode ser justamente aí que uma nova vida começa a querer nascer.
Essas crises não escolhem hora, podem chegar aos 20, quando se sai da faculdade sem saber para onde ir, aos 30, com a angústia do "e se eu tivesse feito outra escolha?", aos 40, ao perceber que o tempo está passando mais rápido do que se esperava ou aos 60, quando a aposentadoria se aproxima e é preciso repensar quem se é sem o crachá. Há também as crises que vêm com uma separação, a perda de alguém querido ou mesmo o nascimento de um filho, que coloca em xeque não apenas o papel de mãe ou pai, mas a própria noção de identidade.
Essas transições, ainda que comuns, não são fáceis. Elas nos expõem a uma espécie de vazio. É como se a antiga versão de nós mesmos já não coubesse mais, mas a nova ainda não estivesse formada. E aí nasce a pergunta: quem sou eu agora?
A crise de identidade, no fundo, é o colapso de uma história que contávamos para nós mesmos sobre quem éramos. Uma história que funcionava, até que deixou de funcionar. Muitas vezes, esse desconforto vem disfarçado de ansiedade, tristeza ou irritação constante. Há quem sinta um cansaço sem nome, um desânimo que não passa, mesmo quando tudo "está indo bem". Outros se percebem mais reativos, impacientes ou distantes dos que amam. É como se estivessem presentes, mas não inteiros.
Esses sintomas, embora desconcertantes, são também um sinal de que algo dentro de nós quer mudar. Algo está batendo na porta, pedindo atenção. É aí que a escuta, o silêncio e a disposição para olhar para dentro se tornam fundamentais.
É comum tentar escapar dessa dor mergulhando no trabalho, mudando de cidade, começando outro relacionamento ou buscando mil respostas nas redes sociais. Mas, na maioria das vezes, esse movimento só adia o inevitável: cedo ou tarde, seremos chamados a olhar para nós mesmos com mais verdade.
Esse processo pode ser doloroso, sim, porque ele exige a coragem de abrir mão de algumas certezas, de encarar inseguranças e de fazer perguntas difíceis, mas também é um processo profundamente libertador. Porque quando nos permitimos atravessar essa crise com honestidade, abrimos espaço para uma versão mais autêntica de nós mesmos.
A terapia entra aqui como um espaço de apoio, de escuta e de reconstrução. Não se trata de oferecer respostas prontas ou fórmulas mágicas, mas de ajudar a pessoa a encontrar, dentro de si, caminhos mais coerentes com quem ela realmente é ou deseja ser. Muitas vezes, o que chamamos de crise é, na verdade, um chamado da alma por mais verdade, mais liberdade, mais sentido.
Pense na Ana, que sempre sonhou em ser médica. Desde criança, foi incentivada pela família, estudou muito, passou em uma boa faculdade e seguiu uma carreira exemplar. Aos 35 anos, com consultório cheio, percebeu que algo estava errado. Chegava em casa esgotada, com a sensação de que vivia a vida de outra pessoa. A princípio, achou que era estresse. Depois, achou que estava deprimida. Só quando começou a fazer terapia entendeu que, embora tivesse seguido um caminho admirado por todos, nunca havia parado para perguntar a si mesma se aquilo era mesmo o que queria.
Ao longo do processo, Ana foi resgatando sonhos antigos, se reconectando com interesses esquecidos e aprendendo a escutar suas próprias vontades. Não largou a medicina, mas encontrou uma nova maneira de praticá-la, mais conectada ao que realmente fazia sentido para ela. E, principalmente, passou a se sentir dona da própria história.
Nenhuma crise acontece por acaso. Elas nos chamam a crescer, a amadurecer, a nos reinventar. Não como imposição, mas como possibilidade. O que parece um colapso pode ser, na verdade, uma chance de recomeçar com mais consciência, mais autonomia e mais verdade.
É claro que isso não acontece da noite para o dia. Recomeçar leva tempo. Requer cuidado, paciência e, muitas vezes, apoio. Mas o importante é entender que, por trás do desconforto, existe um potencial imenso de transformação.
Portanto, se você está vivendo um desses momentos em que tudo parece confuso, em que você não sabe bem quem é ou para onde vai, talvez essa seja a hora de escutar esse chamado. Porque, no fundo, toda crise de identidade é um convite para deixar de ser quem esperam que você seja e finalmente se tornar quem você é.
Paz e Luz.
Autor Valter Cichini Junior Atendimento em Psicanálise E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Psicologia clicando aqui. |





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