O Fetiche da Polarização: Como um Chinelo se Tornou um Objeto Ideológico

O Fetiche da Polarização: Como um Chinelo se Tornou um Objeto Ideológico
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Autor Valter Cichini Junior

Assunto Psicologia
Atualizado em 12/23/2025 1:18:37 PM


Sabe aquele ditado que diz que, para quem só tem martelo, todo parafuso vira prego? No Brasil atual, parece que trocamos o martelo pela lente da política. Tudo, absolutamente tudo, precisa passar pelo filtro do "nós contra eles". A última vítima dessa nossa necessidade quase obsessiva de pertencimento foi, por incrível que pareça, um par de chinelos.

A polêmica envolvendo a campanha da Havaianas com a Fernanda Torres é um prato cheio para quem estuda a mente humana. O que era para ser apenas um trocadilho publicitário sobre o Ano Novo, aquela ideia de entrar "com os dois pés" em 2026, virou o estopim para uma crise de identidade nacional. Mas como é que um objeto tão banal, que a gente usa para lavar o quintal ou ir à padaria, ganha contornos de manifesto ideológico?

Na psicanálise, existe um conceito chamado projeção. É algo que todos fazemos, quando não conseguimos lidar com certas angústias ou medos internos, nós os "jogamos" para fora, em cima de algo ou alguém. É como se a realidade fosse uma tela em branco e nós projetássemos nela o nosso próprio filme de terror.

No caso da propaganda, o termo "pé direito" foi o gatilho. Para uma mente mergulhada na polarização, a palavra "direito" deixou de ser uma direção espacial ou uma expressão de sorte para se tornar um significante político. O sujeito não ouve mais o comercial, ele ouve o seu próprio medo de ser derrotado nas urnas. O chinelo deixa de ser borracha e vira um espelho das nossas próprias paranoias.

Quando falamos em fetiche, no sentido psicanalítico, estamos falando de atribuir um poder mágico ou um valor exagerado a algo que não o possui. Transformar a Havaianas em um "item de esquerda" ou "inimiga da pátria" é uma forma de dar vazão à angústia.

É muito mais fácil descarregar a raiva em uma marca de sandálias do que lidar com a complexidade real dos problemas do país. O boicote, nesse sentido, funciona como um alívio paliativo. Ao jogar o chinelo fora, a pessoa sente que está, simbolicamente, expulsando o "mal" da sua vida. É um ritual de purificação que ignora a lógica, a empresa quer apenas vender chinelos, não instaurar um regime político.

Por que enxergamos o que não existe?

Outro ponto fascinante é o que chamamos de narcisismo das pequenas diferenças. Às vezes, precisamos criar conflitos por detalhes irrelevantes para reafirmar quem somos. Se eu odeio o comercial que "aquele grupo" gosta, eu reafirmo que sou diferente deles. Eu me sinto parte de um grupo "eleito", mais inteligente ou mais atento às "ameaças ocultas".

Essa busca por mensagens subliminares em tudo é um sinal claro de uma sociedade exausta e ansiosa. Quando a confiança nas instituições e no diálogo acaba, a interpretação vira delírio. A frase da Fernanda Torres, uma atriz premiada, mas que aqui vira apenas um "alvo", foi lida como um código secreto. É a típica construção do pensamento paranoico: "Eles estão tramando algo contra mim e usaram um chinelo para me avisar".

A grande verdade é que a polêmica diz muito pouco sobre a Havaianas e muito sobre o nosso estado mental coletivo. Estamos tão reativos que perdemos a capacidade de rir de um trocadilho ou de entender uma metáfora simples.

A incoerência é gritante, uma marca que é o maior símbolo da identidade brasileira no exterior, usada do morro ao asfalto, ser reduzida a um panfleto político por causa de uma frase de efeito. No fim das contas, o chinelo continua sendo apenas um chinelo. Quem o carrega com o peso de uma ideologia é o nosso próprio cansaço emocional.

Talvez o melhor conselho para 2026 não seja entrar com o pé direito ou esquerdo, mas sim tentar não ser paranoico, caminhar com um pouco mais de leveza, sem achar que cada passo é uma declaração de guerra.

Paz e luz.


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Autor Valter Cichini Junior   
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