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O novo velho que há em mim!

Atualizado dia 8/2/2014 12:49:48 AM em Psicologia
por Anna Karina de Pontes Leite


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Falar do idoso é desafiador e contrasta com a perspectiva do novo, da mudança e do surpreendente. Principalmente, quando falamos do idoso institucionalizado, preso a paradigmas que nos remetem ao passado, fazendo-nos buscar na história as imagens construídas de um pensamento aversivo e adoecido. Porque o idoso, velhice e envelhecer apesar de ser um assunto atual, sempre existiram. Sempre nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos, sempre! O que não existia era a reflexão desta fase pelos vários segmentos da sociedade, a preocupação da qualidade de vida e saúde para eles que hoje de maneira crescente vêm modificando o formato de nossa pirâmide social, direcionando nosso olhar para a importância de mantermos nossas raízes bem estabelecidas em cumplicidade com o saber do idoso, suas manifestações afetivas e suas experiências.

Desta maneira, iniciamos, eu e um pequeno grupo de colegas universitários, um Projeto¹ cujo tema é a velhice e as formas de envelhecer, com o objetivo de compreender e ampliar nossos saberes, criando vínculos e aproximando esta realidade ao estudo e prática de extensão.

Ao chegarmos para a primeira visita de sondagem ao Lar de longa permanência Casa do Pobre (Maceió- AL), fomos surpreendidos com as instalações ampliadas e modificadas há cerca de um ano, através de uma doação sigilosa proveniente de Minas Gerais. As instalações encontram-se dignas para o acolhimento dos 86 moradores, possibilitando um trabalho de melhor qualidade exercido pela equipe de funcionários que atuam cuidando para que os velhinhos possam receber carinho e atenção quando muitos deles não os têm no seio da própria família.

Era um domingo aberto para visitas da comunidade e familiares; o meio parecia agitado, incomum às figuras que por nós eram observadas e em contrapartida nos observavam também. Olhares questionadores, curiosos, arredios, vitimizados por alguma doença que impediam de nos aproximar. Procuramos a responsável do dia e esta concedeu-nos permissão para percorrermos cada ambiente, com suas salas limpas, amplas, cheias de imagens de santos católicos, lembrando que a fé pode ajudar a superar as dificuldades que se apresentarem. Porém, as características comuns da idade avançada estavam impregnadas em tudo. Pessoas de aspecto cansado, tez franzida, marcas de um tempo ido... Olhares vagos e sem brilho, cabelos sem viço, cheiro de remédio contínuo.

Há quem diga que o idoso está na sua melhor idade, acho até interessante se observarmos o aspecto da desobrigatoriedade em criar filhos ou ter que trabalhar para conseguir seu sustento, mas se visualizarmos as limitações físicas e na maioria das vezes escassez de recursos financeiros, a velhice não nos atrai e, pior, traz sofrimento e falta de perspectiva. Vemos muita gente iniciando sua corrida para prolongar a juventude sem parar para refletir
do que realmente estão correndo? Quão digno seria se mantivéssemos nossa mente aberta às mudanças, mesmo quando elas representam envelhecer física e biologicamente.

No nosso país, falta muito para se avançar no reconhecimento à pessoa da terceira idade, apesar do Estatuto do Idoso (2003) e dos seus direitos sociais adquiridos, que amparam esses sujeitos através da Política Nacional do Idoso (1994). Somos ainda uma sociedade preconceituosa e tratamos o velho como àquele que é substituído, escanteado, excluído. E mais, passa a ser observado como algo que não tem utilidade, ultrapassado.

Nas visitas que se sucederam foi enriquecedor escutarmos suas histórias, suas queixas e suas lembranças. Tantas perdas de habilidades físicas, tantos obstáculos a serem vencidos em relação aos sentidos subnormais, a falta de contato com as famílias e seus vínculos. Alguns daqueles senhores e senhoras há muito moram na Casa do Pobre e vieram do interior de Alagoas, outros de Pernambuco. Ao falarem de suas antigas casas, descreviam com entusiasmo seus lugares, as mães, os rios e açudes, típicas paisagens interioranas onde víamos em seus olhos um brilho de saudade e nostalgia. O amor pelos pais, pelos filhos e pessoas ligadas a eles são formas de manterem a esperança e o contato com o mundo, mesmo que por um fio de lucidez.

Casa do Pobre, este nome suscita-me uma posição de desvantagem em relação à vida, de estigmatização e preconceito. Só agora localizo este sentimento em mim. E o que me motiva a estar com eles vai além de um projeto acadêmico. Descobri que na varanda em frente à ala onde estão 15 (quinze) acamadas, por exemplo, o preconceito insiste em ficar. Que o reflexo das diferenças sociais continua se perpetuando mesmo quando estamos em situação desfavorável, mesmo quando possuímos os limites impostos pela idade, as doenças, ou nos sentimos próximos da morte. Descobri que continuamos lutando com as armas que temos para não sucumbir às regras estabelecidas, para dizermos de algum modo que as diferenças podem construir o crescimento, mas também podem levantar “muros de convivência” e vamos destruindo o que sobrou dos vínculos que poderíamos formar se tivéssemos na direção oposta.  Percebi que apesar de machucado, o coração humano encontra mecanismos de sobrevivência e novos significados são construídos para atender uma realidade de abandono e insensatez.

Ao nos despedirmos, dissemos até breve. Todos ali, diante de nós, com a vida insistindo em pulsar, em reclamar espaço! Fechamos o portão, abriu-se diante dos meus olhos uma nova perspectiva de convivência comigo mesma e com os relacionamentos que fazem parte de minha vida.

Separei-me do grupo. Fui pra casa pensativa... Como encarar esses encontros de maneira superficial ou descompromissada? Como não deixar em mim os olhares e os sorrisos daquela tarde? Já não era a mesma do começo da experiência e lembrei-me do filósofo² “não poderias entrar duas vezes no mesmo rio”, pois estamos em constante mudança, influindo e sendo influenciados. Algo em mim havia envelhecido e eles de alguma forma reexperimentaram o novo.

¹"Velhice: Um olhar revelador"

² Heráclito

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Conteúdo desenvolvido por: Anna Karina de Pontes Leite   
Terapeuta Floral.
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