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Rejeição e filho adotivo

Atualizado dia 4/28/2009 11:44:18 AM em Psicologia
por Alex Possato


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Sou pai adotivo. E filho adotivo. Meus pais se separaram logo na época do meu nascimento e, então, se iniciou uma disputa entre meus avós paternos e minha mãe para ver com quem ficariam "as crianças" - eu e meu irmão mais velho. Eles, meus avós, mas principalmente minha avó, mãe do meu pai, achava que nós não estávamos sendo bem cuidados. Isso era fato: volta e meia apresentávamos problemas de saúde, alergias, gripes prolongadas... a alimentação não era bem controlada. Ficávamos aos cuidados ou de ninguém ou de alguma empregada. Uma das quais, evangélica fanática, gostava de nos espancar com uma bela cinta de couro.
Certa vez, ao visitar vovó, ela percebeu as marcas e vergões dignas de um feitor de escravo do século XVII. Não teve dúvidas: rumou à delegacia e abriu um boletim de ocorrência. Mamãe não era uma má pessoa: estava envolvida em suas neuras desde criança e não podia e nem sabia fazer melhor. Tanto que aposentou-se precocemente, por invalidez emocional...
De qualquer forma, eu não estava muito atento a esses fatos. A vida passava e eu era muito "desligado"... Não sofria, embora uma amiga psicóloga sempre tenha tentado me obrigar a entender que eu sofria e estava simplesmente bloqueando emocionalmente os fatos dolorosos.
Cresci, estudei, comecei a criar uma visão do mundo e lógico: durante o meu período de adolescência tinha que enfrentar o mundo e começar a fazer minha vida. Eu era inseguro, tímido e morria de medo... daí para culpar mamãe, papai e vovó pelas minhas dificuldades, foi um pulinho... Aí a psicologia "ajudou-me": deu a desculpa que eu precisava para saber as razões das minhas dificuldades... Engraçado: quem é que não morre de medo ao enfrentar o mundo, tem sua dose de timidez e insegurança? Adotivos e não adotivos, todos têm, não é mesmo? E se todos têm, isso é problema? Mamãe foi rejeitada, vovó foi rejeitada...
Hoje, já passei dos quarenta. Estou ótimo e sinto-me um molequinho... igualzinho quando saí da casa de vovó, aos quinze anos, para ir morar com mamãe. Pois é, o filho pródigo de retorno ao lar... Cresci, criei minha família e... lógico, algo me fez adotar... Poderia dar milhares de explicações do porquê adotar, mas simplesmente estava em mim e na minha esposa... era uma força maior do que minha razão...
De alguma forma, queria fazer uma família feliz... Queria construir o modelo de família que eu não tive... e por algum motivo, neguei meus pais, meus avós e minha infância... Casei com uma mulher incrível, tive a primeira filha e adotei o segundo filho - este, um molecão que já chegou com quatro anos de idade, e que me provocou muito...
Adotei "eu mesmo", sem saber. Por alguma volta do destino estava refazendo o caminho da minha vida, da minha infância, e depois descobri, da vida da minha mãe e da minha avó... Pois é: elas também foram rejeitadas. Vovó perdeu sua mãe quando era criança. Ficou extremamente ferida e carente... E seu pai, meu bisavô, a deixou para ser cuidada pela... adivinhem? Vovó - a mãe dele... Minha avó deve ter ficado "fula da vida"! Geniosa, forte, dominante, tão logo alcançou a maioridade, tirou o nome paterno do seu... Excluiu o pai da sua vida... como se isso fosse possível.
Minha mãe nunca fora abandonada... mas sentiu-se. O pai, meu avô, era alcoólatra. Japonês, vindo da pobreza e miséria do Japão pós-guerra, como todo bom japonês, era seco igual a um punhado de farinha. Ele também fora rejeitado pelo seu país... saiu a contragosto, empurrado pela dificuldade. E não conseguiu estar presente para seus filhos. Mamãe sentiu-se também rejeitada. Todo mundo era melhor que ela, mais bonito, mais esperto, mais inteligente. E ela era um lixo. Pelo menos, se sentia assim, e ainda traz essa péssima auto-estima...

A rejeição vem do sistema familiar

Hoje trabalho com psicoterapia. Trabalho com constelação familiar sistêmica. Minha parceira, mestre terapeuta, ajudou-me a resgatar esse passado. E a constelação ajuda-me a perceber que a rejeição não é do filho adotivo que eu fui, nem existem culpados para ela. Minha mãe tinha essa rejeição, o pai dela também, minha avó também e até meu bisavô, com certeza, sentiu-se rejeitado. Essa história não tem fim. Trazemos impregnadas em nosso DNA as heranças ancestrais. Nossos medos e alegrias, traumas e conquistas não são reflexo somente de fatos que vivenciamos na nossa infância... Eles são carregados pela linhagem familiar. Qualquer mamãe ou papai sabe que os filhos já nascem com determinados comportamentos, com características emocionais.
Já vi isso até em ninhadas da minha cachorra. Enquanto alguns filhotes, com alguns dias de vida, se atiravam desesperadamente atrás do leite, um ou outro, não tinha força, era medroso e parado. E, com certeza, teria mais dificuldade na vida...
Eu herdei um pouco dessa lerdeza, desse medo de mamar nas tetas da vida. E não foi culpa da minha mãe. Nem do meu pai. Nem de ninguém. Através da constelação entrei em contato profundo com essa emoção da rejeição que é lugar-comum na minha história familiar. Comecei a aceitar minha família. A acolher todos os que foram rejeitados. E assim comecei a aceitar a mim mesmo. Pois sou parte intrínseca dessa família. Eu não seria nada, literalmente, sem minha história, sem meus pais, avós e antepassados. E somente aí, comecei a realmente ser pai do meu filho. Ele deixou de ser "eu quando garotinho" e passou a ser uma individualidade. Alguém também com um história, que um dia irá confrontá-lo. Mas que cabe a ele resolvê-la.
Meu filho faz parte do meu sistema, hoje. Mas também, principalmente, é filho dos pais biológicos dele. Isso nunca irá modificar. Um dia voltei à minha mãe e reaproximei-me do meu pai. Cheguei inclusive a cuidar dele em seus últimos meses de vida dominada por um câncer generelizado. Não foi bondade, não foi caridade. Simplesmente tinha que ser assim. E fico satisfeito por ter feito isso, mesmo que às vezes tenha sentido muita vontade de dar um "pé-na-bunda" do velho, tão exigente e arrogante...
Meu filho adotivo tem o caminho dele. Eu sou o pai adotivo. Sou o segundo pai, segundo a constelação familiar sistêmica diz. E sempre estarei aqui, como segundo pai. Ele tem um primeiro pai. E uma primeira mãe. Não sei se eles estarão presentes para ele, algum dia. Mas isso é pacote que ele terá que desembrulhar... Eu faço a minha parte.
Hoje não me sinto mais rejeitado. Espero que ele também não se sinta. Pois a cura para isso está na inclusão: incluir aqueles que também foram rejeitados em nosso sistema, a começar pelo... papai e mamãe... Por mais doloroso que isso possa ser, só posso dizer uma coisa: essa dor liberta...

Alex Possato é professor de constelação familiar sistêmica e terapeuta sistêmico. Clique aqui e saiba mais

Texto revisado por Cris






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Conteúdo desenvolvido por: Alex Possato   
Terapeuta sistêmico e trainer de cursos de formação em constelação familiar sistêmica
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