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Uma conversa com a tristeza

Atualizado dia 5/8/2008 12:23:46 PM em Psicologia
por Andrea Pavlo


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“...e não há tempo que volte, amor, vamos viver tudo o que há pra viver, vamos nos permitir...”
Lulu Santos

Sinto que, no fundo, sempre fugi das minhas tristezas. Talvez por isso elas tenham me perseguido por tantos anos. Lembro-me bem da primeira vez em que me senti realmente triste. Meu pai havia chegado do trabalho nervoso, sem dinheiro nem para as compras daquela semana. Ele queria que eu fosse dormir mais cedo para ele conversar sobre esses problemas com a minha mãe e eu não queria. Eu queria ficar com ele, mais um pouquinho, realmente curtindo o pai que só aparecia em casa tarde da noite. Ele não gostou. Depois disso só me lembro de estar escondida atrás de um pequeno hall que dava para a sala de estar, ainda sem conseguir dormir, depois da minha primeira surra. A primeira mesmo, de verdade. Fiquei chorando atrás da porta o mais baixinho que conseguia, mas não fui para a cama como ele queria. Queria olhar para ele, queria saber o que ele estava sentindo depois de me bater. Chorei, talvez pela primeira vez, de tristeza profunda. O cara que eu achava o mais legal do mundo não tinha sido tão legal dessa vez.

Acredito que esta foi a minha primeira grande decepção com alguém, e talvez a primeira de muitas decepções com os homens da minha vida. A culpa não era dele (não que eu entendesse isso na época, claro), mas ele tinha deixado de ser a pessoa em quem eu mais confiava. A pessoa que me protegeria de qualquer mal, que me daria um carinho incondicional, que me amaria mesmo que eu fizesse coisas erradas e consideradas feias. Naquele dia eu descobri que não. Que eu precisaria ser de uma maneira diferente do que eu realmente era para que ele me amasse de verdade. Precisaria ir pra cama cedo, precisaria estudar, precisaria fazer uma lista de coisas que, de alguma maneira, eu ainda tento fazer até hoje. Precisaria me tornar grande, maior, perfeita. Eu não era perfeita e aquela surra tinha me provado isso, por A mais B. Precisaria mudar muito para ser, novamente, a princesinha do papai. Coisa que, claro, eu nunca mais consegui.

Naquela noite eu chorei e não foi de dor. Foi de tristeza. Tristeza porque finalmente eu entendia o mundo no qual eu tinha me metido. Uma tristeza muito solitária, de uma solidão profunda, de alguém que aos cinco anos precisava para aprender alguma coisa.
Hoje eu sei que entendi tudo errado. Que superestimei, que fantasiei um pai que não era para ser assim. Ele era uma pessoa que tinha, como muitos, sofrido demais na vida. E que aprendeu, talvez mais cedo até do que eu naquele momento, que existiam pessoas que agiam como queriam e você não tinha nada mais pra fazer do que se proteger. Sei o quanto ele se arrepende dessas coisas hoje. Sei o quanto ele me pediu perdão e o quanto eu perdoei. Mas, infelizmente, não sei se deixei de me sentir triste e sozinha. Afinal de contas, isso é uma coisa da qual os nossos pais, e mais ninguém no mundo, poderão nos proteger.

Mas o que eu fiz também, não foi legal para mim mesma. Aprendi que deveria ser a menina perfeita e fugir, o mais longe que eu poderia, da tristeza. Sempre que me sentia triste, e isso era comum na infância e na adolescência, mesmo porque a vida é assim, eu fugia. Ligava uma música bem alta e fazia uma apresentação inteira de jazz (sim, eu sou do tempo em que se dançava jazz) para minha avó. Comia uma barra inteira de chocolates enquanto assistia Bozo na televisão e decorava o telefone de tanto ligar para ganhar uma boneca não sei o quê. Eu me vestia de mãe, de fada, de professora de escola, de secretária, tudo, menos criança. Fui fugindo da tristeza e, por incrível que pareça, não percebia que a minha alegria ia junto, porque uma não vive sem a outra. Não percebia que para ser feliz, também era preciso ser triste. Também era preciso chorar atrás do hall e deixar que as lágrimas escorressem até acabarem e se tornarem nada.

Eu não entenderia o nada até depois dos meus 30 anos. E só depois dos 30 é que percebi que não se pode fugir da tristeza. E a velha lição volta, dizendo que as pessoas são o que são, farão o que fazem e você não vai mudar nada. E em meio a um turbilhão de emoções negativas e frustantes, resolvi finalmente encarar a tristeza. Sentamos, conversamos, batemos um longo papo sobre todas as vezes em que ela se aproximou de mim e, pasmem, sabe o que eu descobri? Que a tristeza, na verdade, só queria me proteger. Queria me deixar triste para que eu pudesse olhar e pensar mais em mim mesma. Queria que a minha dor não virasse uma doença, um problema de estômago, algumas pedras na vesícula. Poxa, tristeza, porque você não me disse isso tudo antes? Seria tão mais fácil se eu tivesse descoberto isso aos cinco anos, quando todo mundo dizia (inclusive o Bozo) que eu só precisava ser feliz.

E o que concluo da minha experiência com a tristeza é que ela é minha amiga. Que não gosta de passar muito tempo, porque eu me encho logo dela e ela acaba indo embora, mas, daqui para frente, vou abrir mais a porta para ela e parar com essa coisa de me esconder debaixo da cama, com as luzes apagadas, enquanto ela toca a campainha. E, tenho certeza que sua irmã gêmea, a alegria, também fará mais parte dos meus dias, mesmo que eu continue sonhando e me decepcionando com as pessoas. Mesmo que ocorram terrremotos, maremotos, perdas inevitáveis e necessárias. Não é errado estar triste. Errado é fugir e não viver tudo o que há para se viver. A partir de hoje eu quero tudo, todas as emoções. E não preciso de nenhum fundo do poço para isso. Afinal de contas, a tristeza só nos joga lá porque quer que a vejamos. De frente.

Texto revisado por Cris

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Conteúdo desenvolvido por: Andrea Pavlo   
Psicoterapeuta, taróloga e numeróloga, comecei minhas explorações sobre espiritualidade e autoconhecimento aos 11 anos. Estudei psicologia, publicidade, artes, coaching e várias outras áreas que passam pelo desenvolvimento humano, usando várias técnicas para ajudar as mulheres a se amarem e alcançarem uma vida de deusa.
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