Há muitas armadilhas no espaço relacional, a pior delas é
a perda da identidade pessoal, a entrega, não à realização
da experiência do amor, mas ao outro. Há uma sedução
implícita na inconsciência: alguém deseja ENTREGAR-SE PERDIDAMENTE!
Pode parecer mais sedutor ainda narcotizar-se mutuamente, adiando o sentido e
o valor da vida em comum.
Muitos de nós vivem o mito de que é preciso reprimir tudo que for
individual para haver harmonia ou felicidade conjugal, posto que esta depende
de renúncia ao EU e de submissão ao OUTRO (esta característica
era mais comum entre as mulheres, mas também aparece nos homens pois não
tem nada a ver com sexo e sim com a ação das polaridades psíquicas).
O ser unipolarizado (*) sabe "estar pelas metades" e sua ânsia
de completude o leva a extremos de entrega e de devoção, mas o caminho
da devoção e da perda do eu psicológico já estão
esgotados. Serviram mais ao Estado do que aos indivíduos, mais às
necessidades sociais (incluindo as das Instituições estabelecidas:
família, igreja etc.).
A meta do desenvolvimento agora é o acordar da consciência do EU,
o despertar para uma verdadeira e responsável vida espiritual, no sentido
de uma procura que jamais se esgota, mais do que no da imitação
do bom exemplo. Todos sabemos da insuficiência e da inutilidade de se fazer
exortações morais: um caminho que está esgotado e já
mostrou ser pouco convincente; agora a busca é a da liberdade, do prazer
e da responsabilidade conjugadas e permeadas por um sentido de finalidade, de
desenvolvimento e de expansão da consciência individual.
Um relacionamento se dá no mundo do NÓS que, naturalmente, é
o resultado da interação de UM com o OUTRO. Porém quantos
se esquecem que se houver obliteração do UM o resultado desta dinâmica
pode ser uma falência total! Quantos deixam de viver a própria vida
para viver a do OUTRO? Quantos entendem a vida de relacionamento como uma renúncia
a tudo que for pessoal ou individual ? Vice versa, quantos se satisfazem com a
crescente submissão do EU do OUTRO ao seu próprio poder pessoal?
Quantos vivem sob a regra de que "se alguém tiver de dar o braço
a torcer que seja o OUTRO!"
Quando acreditamos que é harmonia fugir da briga e concordar com o OUTRO
em tudo estamos em verdade acendendo o pavio de uma bomba relógio embutida
e que disparará em futuro próximo ou remoto. E o que dizer dos que
acreditam que viver em harmonia é obrigar o OUTRO a uma concordância
incondicional? Quanto mais cedo esta "bomba" explodir, melhor será
para todos os envolvidos...
Achamos bonito e romântico aquele casal que, quando um morre o outro o acompanha
em poucos meses, pois a vida não fazia qualquer sentido sem o companheiro...
Estes podem ter vivido uma engolidora dimensão do "NÓS"
e que eclipsava a existência real dos "EUs". E que enorme poder
isto movimenta! Contudo, a realidade psicológica mudou e hoje a exigência
é a de que qualquer um de nós desenvolva consciência própria
das possíveis oposições internas entre consciente e inconsciente
e não a mera projeção no parceiro da relação.
No passado a especialização dos papéis criava um abismo intransponível
e a necessidade visceral da presença do OUTRO. Hoje há uma crescente
consciência de que AMAR é fazer-se completo, sem depender do OUTRO
além de certa conta, pois há uma grande diferença, nos resultados,
se estamos vivendo uma comunhão / cooperação ou se, ao contrário,
estamos sucumbindo a uma cumplicidade com o OUTRO.
Dizendo isso de modo mais corporal e físico:
_ "abrace de forma sentida o OUTRO, mas, caso ele, por alguma justificada
razão, saia do abraço, tente não "cair de boca"
de forma tão humilhante e encontre sustento suficiente em suas próprias
pernas ."
Quando contamos com a união de forma muito temerária (exagero da
dependência) acabamos atraindo aquilo de que mais tentamos fugir: a separação
e o desrespeito por parte do OUTRO. Vice versa, quando jamais admitimos mostrar
"fragilidade" (exagero da independência) não temos "olhos"
para valorizar o OUTRO naquilo que lhe é meritório e, nada fazendo
para sustentar a união, chegamos a idêntico resultado.