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Moral moderna: Histórias de fadas e de heróis...

por Adília Belotti em Autoconhecimento
Atualizado em 25/10/2007 12:18:17


Os mitos e as histórias de fadas, as fábulas e as lendas, são feito lanternas que nos ajudam a encontrar o caminho certo, quando estamos perdidos e perplexos, naquelas encruzilhadas morais. Por isso, pode sentar, que lá vem história!

Marie-Louise von Franz, em seu livro sobre o asno Lucius, ensina que a transformação de seres humanos em animais é um velho favorito das histórias. Representa o esforço tipicamente humano para reconhecer os padrões instintivos que compõem nossa humanidade e, ao transformá-los e compreendê-los, poder fazer conviver em harmonia todos os eus que formam nossa alma. O que distingue o homem dos animais, avalia Von Franz, “é o impulso para refletir e construir um determinado continuum de consciência (...) caso contrário ele não estará vivendo a totalidade do seu padrão de anthropos (homem)”.

E tendo dito isso, a história vai começar.

Era uma vez uma rainha tão correta e tão boa que não suportava a mentira. Apesar de sua bondade ser reconhecida em toda a parte, a rainha andava preocupada porque seu único filho nem sempre dizia a verdade. Certo dia, enquanto a soberana refletia assim triste sobre os assuntos que afligiam sua alma, uma flor de maçã entrou pela janela aberta e caiu docemente em seu colo. De dentro da flor surgiu uma minúscula e perfumada criatura que concedeu à rainha um desejo, como prêmio por suas boas obras. Sem pensar, a pobre mãe desejou que apenas a verdade saísse dos lábios de seu filho, Akemar. Comeu, então, a pequena maçã que a criaturinha lhe oferecia e, alegremente, foi encontrar o jovem príncipe.

Mas algo não ia bem. Logo na primeira refeição do dia, o príncipe, num ímpeto de mau-humor brigou com um pajem, chamando-o de “seu cabeça de carneiro”. Imediatamente, no lugar da cabeça do pobre rapaz, surgiu um focinho de carneiro. Sem conseguir se controlar, o príncipe soltou uma gargalhada, mas a rainha sentia a tragédia no seu coração e se reprovava por ter querido fazer seu filho diferente dos outros seres humanos.

O jovem príncipe, sem se dar conta do que estava acontecendo, caminhou até a janela para ver se seus cavalos favoritos estavam selados para o passeio matinal. O escudeiro disse-lhe que ainda não estavam prontos porque os animais, sem razão aparente, se recusavam a obedecer ordens naquele dia. Mais uma vez sem pensar, o príncipe gritou: “Que o diabo leve estes malditos animais”. E mal tinha dito isso, o céu escureceu e os animais sumiram entre muitos raios e trovões. O jovem, finalmente caindo em si do horror que tinha feito, lamentou-se “Ai de mim, que asno sou!”.
Nem bem tinha falado, seu corpo cobriu-se com a pele cinzenta de um asno. E o coração da rainha se partiu de tristeza.

Sentindo-se humilhado e sem conseguir entender porque o destino tinha sido tão duro com ele, o jovem príncipe-asno uma noite decide fugir da luxuosa cocheira que sua mãe havia mandado construir para ele. Sua forma animal, no entanto, não tinha desfeito o encantamento e seus relinchos de assentimento podiam fazer qualquer coisa se tornar realidade. Assim, ele caminhou sem rumo e exausto bateu à porta da cabana de uma mulher muito pobre, cuja filha estava doente.

Mal tinha chegado e graças aos seus poderes, ele consegue livrar mãe e filha de um horroroso mercador que não queria dar leite para a menina e do dono da cabana miserável onde viviam as duas, que queria expulsá-las por não terem pago o aluguel.

Usando seu poder de transformar tudo que dizia em verdade, ele devolve a saúde da menina. Com suas cores e alegria de volta, Áurea fez do burrinho seu companheiro e único amigo. Além de doce e carinhosa, a menina, com seus cabelos vermelhos como o fogo, era a mais linda moça que se podia imaginar. Sua risada enchia o casebre com sons de sinos e sua exuberância fazia a própria brisa dançar.

Muito tempo o asno ficou entre as duas e, graças ao afeto de Áurea, ele se sentia até feliz, esquecido de sua sorte. Um dia, desesperada porque sua mãe queria obrigá-la a casar com um velho sovina e asqueroso, a pobre menina desabafou para seu companheiro: “Ah, gosto tanto de ti que mesmo sendo um asno preferia casar-me contigo do que com aquele homem horrível!” Akemar relinchou e... pronto, estavam casados. Alegre, Áurea foi contar a novidade para a mãe que teve um ataque de raiva e expulsou os dois de casa.

O estranho casal caminhou por vales e florestas. Famintos, os dois procuraram abrigo em uma caverna, sem se dar conta de que era, na verdade, a morada de um gigante feroz e faminto. Mais uma vez, graças aos seus relinchos e à sua engenhosidade, Akemar consegue evitar que eles virem jantar de monstro. E os dois conseguem fugir.

Áurea, agradecida, acaricia o animal e lhe pede que use seu poder para fazer alguma coisa por si mesmo. Porque havia alguma coisa nele de profundamente triste. Se ele podia fazer tanto pelos outros, quem sabe não poderia transformar-se... O asno olhou para ela com seus imensos olhos. Neles, ela leu uma súplica tão íntima que seu coração se partiu de compaixão e ela chorou. Ao vê-la chorar, duas grossas lágrimas brotaram dos olhos do animal. “Se podes chorar, então podes transformar-te em um homem”, diz a menina. E nem bem ela tinha pronunciado as palavras, o asno relinchou explodindo de alegria e surgiu diante da moça atônita como o belo príncipe que de fato era.

“Tu me redimiste”, avisa o príncipe. E de mãos dadas, os dois começam a percorrer cheios de alegria o caminho de volta ao palácio.

Enquanto isto, nos seus aposentos, a rainha, apesar de sua dedicação aos outros, está de luto. Mais uma vez, a brisa traz uma flor de maçã que pousa docemente em seu colo. Mais uma vez, um desejo lhe é concedido como prêmio por sua virtude. Mas só que desta vez, a rainha nem precisa pronunciar seu pedido. A criaturinha branca e perfumada avisa que seu filho voltou, que voltou como homem, com vícios e virtudes, e uma companheira. E que estava livre de pronunciar apenas a verdade, embora agora seu coração fosse sincero e puro.

A rainha, feliz, abdicou do trono para que seu filho reinasse junto com sua mulher e ele foi até o final dos seus dias, um rei honesto e bom.Entrou por uma porta e saiu pela outra e quem quiser que conte outra, era assim que antigamente se proferia o final de uma história ao mesmo tempo em que se lançava o desafio para a próxima. Porque as histórias nunca fecham portas, ao contrário, elas abrem a alma para insights preciosos sobre nós, sobre nossas escolhas, nossa fragilidade, nossa angústia. E o estilo colorido, às vezes até barroco das histórias, combina bem com o fato de que não existem respostas fáceis, a verdade é como uma mulher que se enfeita de véus para testar e confundir os amantes. Nunca nenhum deles chegou a vê-la toda nua...

Como os heróis dos contos de fadas, a gente se faz e se refaz a cada passo, mudamos de pele, costuramos e remendamos nossos trajes de andarilhos, ouvimos ou não os conselhos dos mestres que a sorte coloca no nosso caminho, erramos, e acertamos... responder ao chamado da aventura é nosso destino, tentar é a única ação ao nosso alcance e a esperança é, afinal, uma boa companhia nas noites mais frias...



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adilia
Adília Belotti é jornalista e mãe de quatro filhos e também é colunista do Somos Todos UM.
Sou apaixonada por livros, pelas idéias, pelas pessoas, não necessariamente nesta ordem...
Em 2006 lançou seu primeiro livro Toques da Alma.
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