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Como é para você falar sobre o que sente?

por Rosemeire Zago em Corpo e Mente
Atualizado em 01/10/2009 16:13:14


Todos nós temos um pouco de dificuldade em lidar com nossos sentimentos. Tudo começa quando ainda somos crianças. Naquela época, raramente tínhamos alguém que nos desse apoio para que pudéssemos demonstrar sentimentos como raiva, ciúme, inveja, vergonha. Em muitos casos, nem chorar era permitido. E com isso, muitas pessoas aprenderam logo cedo a engolir suas lágrimas e sentimentos. Nos ensinavam, com raríssimas exceções, que nada devíamos demonstrar, e aos poucos aprendemos a reprimir o que sentimos. Quando não tivemos quem nos ajudasse a lamentar nossos momentos de dor, solidão, tristeza, acabamos por bloquear, reprimir para outras pessoas e para nós mesmos, tudo aquilo que sentimos. Queremos ser fortes e conseguimos, mas só nós sabemos qual o preço que pagamos. Com o tempo, começamos a perceber que tudo aquilo que por anos ficou muito bem guardado, começa de alguma forma a pedir, para não dizer gritar, que precisa sair. É neste momento que inconscientemente criamos situações nas quais estes sentimentos possam ser experimentados novamente. Quando vivemos situações de desprezo, rejeição, abandono, solidão, maus-tratos, quando criança e não havia quem pudesse suportá-los ao nosso lado, passamos a recriar situações e relacionamentos para podermos expressá-los aqueles mesmos sentimentos que foram reprimidos, com a fantasia inconsciente de resolver o trauma original. Nem sempre recriamos as mesmas situações, mas sim qualquer situação que nos faça sentir os mesmos sentimentos.

Sentimentos de rejeição, abandono e abusos vividos durante a infância são os mais difíceis de serem superados. É como se registrássemos que não somos dignos de sermos amados, nem aceitos por aquilo que somos. Isso pode gerar muitas dificuldades nos relacionamentos, seja em forma de boicotes ou repetição de padrões, pela necessidade constante de aprovação e reconhecimento. Por exemplo, uma pessoa que viveu situações de rejeição e abandono durante sua infância, pode buscar, é isso mesmo, buscar inconscientemente, situações que a façam se sentir abandonada e rejeitada. Se teve um pai e/ou mãe que a rejeitaram, foram ausentes, distantes, poderá fazê-la recriar relacionamentos com pessoas que a faça se sentir igualmente rejeitada e abandonada. Isso pode parecer absurdo, mas nosso inconsciente faz exatamente isso mesmo, mas há uma intenção, que é nos libertar daqueles sentimentos que tanto machucaram e continuam a machucar, mesmo depois de muitos anos. Mas, para isso, é importante ter alguém com quem possa contar o que sentiu, lamentar, e receber todo apoio que não recebeu na época que aconteceu. Há pessoas que perderam pessoas significativas quando crianças e até hoje, já adultas, não choraram, nem elaboraram, e muito menos superaram essa dor. Ser capaz de falar sobre a dor que sentimos significa que inconscientemente estamos dispostos a aceitar e superar o que nos aconteceu. O que nem sempre é fácil, pois assusta, causa medo de sentir mais dor, o que faz com que as pessoas evitem tocar nestes assuntos, o que só causa mais dor. O fato de não falar sobre o que sentimos, não nos isenta de senti-los.

Quando passamos uma vida sendo machucados e passamos por cima, ignorando como se nada tivesse acontecido, pois do contrário ficaríamos completamente sós, acabamos por permitir que outras pessoas nos machuquem mais e mais. Assim, perdemos o foco em nossa própria vida, deixando de nos ouvir para ouvir aos outros, deixamos de ser nós mesmos para sermos quem gostariam que fôssemos, e é assim que nos perdemos de nossa essência, de quem somos verdadeiramente.

É preciso lembrar e ter consciência que se um dia alguém não o aceitou, o abandonou, muitas outras lhe deram valor, gostam de você e estão ao seu lado. É preciso parar com essa busca incessante de aprovação, seja de quem for, geralmente dos genitores, e que pode se estender por toda uma vida. Do contrário, de vítima poderá se tornar em algoz de si mesmo. Se a rejeição ainda está viva como se existisse no momento presente é porque de alguma forma você assim permite. Interrompa esse círculo vicioso de dor. Libere este sentimento para que ele se dissolva e pare de te torturar. Hoje você não precisa mais passar pelas mesmas agressões, indiferença, desprezo, vergonha, humilhação, entre tantas outras situações que já vivenciou. Hoje você pode viver na harmonia, paz, tranqüilidade, pois essa condição só depende de você. Enquanto criança não temos muitos recursos para nos defender, mas hoje adultos, podemos, e temos todo direito de sermos pessoas inteiras, felizes, sem implorar por carinho, apoio, compreensão, amor. Com certeza, você deve ter muitos momentos agradáveis registrados em sua mente. Muitas palavras e atitudes de carinho. Traga isso para o momento presente. Por que se sentir desvalorizado, diminuído, inferior, rejeitado, por que uma pessoa não o aceitou ou demonstrou aquilo que você precisava? Por que não permitir que o amor de outras pessoas, que com certeza há ao seu redor, chegue até seu coração? Quais são as pessoas que lhe demonstram amor, carinho, atenção, que lhe tratam com respeito, dignidade e consideração? Valorize essas pessoas, deixe que o amor que sentem por você seja muito maior que a rejeição e o desprezo que recebeu um dia. Você pode reagir, portanto, reaja!

A quem você gostaria de agradecer por uma palavra, um gesto, apoio, que um dia recebeu? Você já falou para essa pessoa o quanto lhe ajudou quando precisou? Por que não fazer isso agora? Dê um telefonema, escreva um e-mail, marque um almoço, jantar, um suco, um momento para falar da diferença que fez em sua vida. Você deixará essa pessoa feliz e você ficará mais ainda em saber que há pessoas com quem pode contar. Divida estes bons sentimentos com quem conseguiu fazer despertá-los dentro de você. A vida não pode ser contabilizada apenas de dor, mágoas, tristezas, mesmo que um dia existiram, elas podem ser substituídas por alegria, paz, harmonia. Saber valorizar o que recebemos de bom e partilhar com quem nos faz sentir vivos, alegres, pode ser um antídoto contra a dor que nos fizeram um dia sentir. Solte essa dor, chore o que não chorou, procure quem possa ouvi-lo, só assim irá conseguir se libertar daquilo, que por mais que negue, ainda dói dentro de você.





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zago
Rosemeire Zago é psicóloga clínica CRP 06/36.933-0, com abordagem junguiana e especialização em Psicossomática. Estudiosa de Alice Miller e Jung, aprofundou-se no ensaio: `A Psicologia do Arquétipo da Criança Interior´ - 1940.
A base de seu trabalho no atendimento individual de adultos é o resgate da autoestima e amor-próprio, com experiência no processo de reencontrar e cuidar da criança que foi vítima de abuso físico, psicológico e/ou sexual, e ainda hoje contamina a vida do adulto com suas dores.
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