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Ao enfrentar situações desagradáveis: Será que precisamos inevitavelmente sofrer?

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 04/11/2005 11:32:10


Lama Gangchen explica, em seu livro Autocura Tântrica III (Ed. Gaia): “O resultado da causa e condição do surgimento interdependente negativo do fator mental chamado contato, que subjetivamente entende os objetos do mundo externo como desejáveis, neutros ou repulsivos, é o nosso sentimento (Sofrimento samsárico ou samsara refere-se ao ciclo infinito e descontrolado de morte e renascimento no qual estaremos presos enquanto nossa mente estiver poluída) samsárico(*) poluído surgido interdependentemente, que vivencia subjetivamente os objetos impuros do mundo externo como desejáveis, neutros ou repulsivos. Nossos sentimentos esfaqueiam e perfuram nossos sentidos e nossa mente momento após momento do dia e da noite, como flechas furando nossos olhos. Nosso sentimento surgido interdependentemente faz com que as sombras de nosso apego e a raiva egoístas se desenvolvam e cresçam: a autodestruição - o oposto da autocura”.

Esta vivência subjetiva é o resultado de tudo que já assimilamos anteriormente. Isto é, vivenciamos o momento presente de acordo com as experiências que acumulamos no passado e os receios que temos com relação ao futuro. Portanto, a maioria de nossos problemas advém da interpretação que fazemos deles.

Segundo os mestres budistas, a maior parte de nossos problemas são intelectuais, pois racionalizamos erroneamente os fatos de nossa vida. Vivenciar algo como agradável, desagradável ou neutro depende totalmente de nossa interpretação. Isto não quer dizer que bastaria colocarmos óculos de lentes cor-de-rosa para ver sempre tudo positivamente, pois continuaríamos a interpretar a realidade igualmente de modo exagerado e fantasioso.

Lama Yeshe escreve, em seu livro Il potere della saggezza (O poder da sabedoria - Ed.Chiara Luce, Itália): “A maioria dos problemas da humanidade são intelectuais, já que as relações sociais são excessivamente condicionadas pelo intelecto e pela racionalização. É claro que existem problemas oriundos da intuição, mas a causa principal dos problemas de nossa vida, como os desequilíbrios emocionais e a ansiedade, vem do intelecto, do nosso modo errado de pensar. Estamos sempre intelectualizando e esse é o nosso maior problema”. [ ...] “Podemos observar que em nosso mundo moderno, a maior parte dos problemas humanos se origina dos relacionamentos conflituosos entre as pessoas. O problema é que usamos o intelecto de maneira antinatural; somos tão pouco realistas que estamos constantemente perdendo contato com a realidade. Por exemplo, quando descrevemos uma maçã dizemos: “Ela é assim e assado, é fantástica, tem uma cor maravilhosa, e por isso eu gosto dela”. Descrevemos as coisas de uma maneira tão exagerada que acabamos com uma mente conturbada; pois tudo é resultado de nossas fantasias enganosas”.

Lama Yeshe está nos alertando que nossos problemas existem porque atribuímos qualidades exageradas à realidade externa. Exageramos tanto em nossas interpretações, que chegamos a esquecer que somos nós mesmos quem está atribuindo as qualidades aos objetos! Só podemos achar alguém belo ou feio, agradável ou desagradável de acordo com os nossos padrões culturais e pessoais. Ninguém é belo por si mesmo!

De acordo com o budismo, podemos nos libertar dos condicionamentos passados se aprendermos a examinar a nossa própria mente.

Diante de uma situação aparentemente desagradável, podemos parar e analisar: esta situação é de fato desagradável? Será que preciso vivenciá-la mesmo assim? Ou será que posso relaxar um pouco e encará-la de uma outra maneira?

Um exemplo simples, porém cotidiano: estar preso no trânsito. Será que precisamos inevitavelmente sofrer? De fato, intuitivamente sabemos que não. Podemos nos proporcionar uma nova visão.

O problema é que habitualmente pensamos: “Eu sou assim mesmo e nem sei como mudar". Mas, em vez de nos deixarmos levar pelo intelecto, podemos aprender a usar a nossa intuição.

Segundo a psicologia budista, todos nós possuímos uma sabedoria discriminativa inata, que sabe intuitivamente avaliar o que vale a pena ou não. Mas em geral não estamos em contato com nossa intuição, pois estamos dominados pelas idéias fixas e preconceituosas cultivadas pelo intelecto!

Para entrarmos em contato com esse potencial intuitivo de sabedoria discriminativa, precisamos aprender a relaxar a mente para observá-la com certo distanciamento.

A meditação é uma técnica extremamente útil para este propósito. Por meio dela, podemos observar nossa mente como um objeto externo a nós mesmos. Desta forma, iremos vivenciar nossos conflitos emocionais ao mesmo tempo em que poderemos observar como a nossa mente age em relação a eles. Assim, estaremos apenas observando a nossa mente, isto é, não iremos interpretar nossos pensamentos. É como escutar uma grande fofoca sem se deixar levar pelas avaliações costumeiras.

Atenção: este estado não significa estar indiferente às nossas emoções, mas sim estar atentos a elas: estamos altamente interessados em conhecê-las. Queremos honestamente aprender como funciona nossa mente diante de determinado conflito emocional.

Assim, aos poucos adquirimos um novo espaço interno, onde somos capazes de nos mover com mais flexibilidade e encontrar uma maneira de não ser dominados pelos padrões mentais habituais. Lama Yeshe acrescenta: “Neste espaço interno podemos voltar a mover a nossa mente de maneira natural, livre da artificialidade criada pelos conceitos do intelecto. Por esta razão diz-se que a meditação não é criada para sustentar mais uma artimanha do intelecto, mas sim para a ação. Assim, qualquer ação pode se tornar uma meditação. Por exemplo: podemos varrer a casa pensando que estamos purificando nossas negatividades”.

Na próxima vez que você sentir medo, por exemplo, lembre-se de que o medo em geral surge justamente de nossa tendência de interpretar os eventos que não precisam de interpretação. Interpretamos as coisas de antemão. Lembre-se de que o excesso de intelectualização prejudica nossa intuição. Relaxe, observe sua mente e pergunte a si mesmo: “Não será que estou exagerando”? É bem provável que sim. Então, simplesmente leve sua mente para a ação mais próxima, na qual você pode agir naturalmente.

Última atualização em 21/8/6


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bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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