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Homenagem ao Cmte. Wertheimer

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Nosso primeiro vôo junto foi Congonhas / Recife, direto. Era o carro chefe do 727 naquela época e a primeira etapa de uma programação de três dias que incluía um pernoite em Porto Alegre no dia seguinte.
Cheguei mais cedo no DO, preocupado com o nome do instrutor que havia sido designado para mim – “vou ter que encarar um gaúcho de origem alemã”, pensava comigo...

De repente aparece um sujeito elegante, queimado de sol, vestindo um blazer sobre o uniforme, num estilo que eu descobri depois ser a sua marca registrada. Mais velho do que a grande maioria dos jovens comandantes da nacional, ele mais parecia um dos “vacas sagradas” da RAI (rede aérea internacional, como era designada). Foi assim que nos conhecemos.

Foram alguns meses de instrução e uma amizade que ficou para o resto da vida. Eu fazia parte da primeira turma de co-pilotos no jato e alguns entre nós tínhamos pouquíssima experiência na operação de aeronaves já que estávamos recém chegados do quadro de segundos oficiais, onde não operávamos o avião. Tínhamos que aprender tudo, até mesmo a entrar em órbita de espera nas enormes “prateleiras” que se formavam em Congonhas quando havia fechamento temporário do campo, que só veio a contar com o ILS muitos anos depois. Tudo me impressionava nele. A elegância descontraída, a falta de afetação, o senso de humor diante das minhas trapalhadas. Mais do que tudo me impressionava – e muito – a classe na operação do avião. A pilotagem do Gabí (assim era chamado pelos contemporâneos da Real) era diferente, e ele fazia isso de uma forma natural. Eu babava de ver e tentava imitar. Ele achava graça vendo o “pato novo” ensaiar os primeiros vôos.

Foi o maior piloto que conheci. Tratava o avião com uma categoria incomum, fruto do seu talento e da experiência adquirida na Real e na Swissair, onde passou alguns anos voando as linhas do Oriente. Numa época onde o mundo ainda era grande, ele falava do poeta persa Omar Khayan, do qual eu só voltei a ouvir algo a respeito muitos anos depois. Nas nossas conversas nos pernoites, regadas a caipirinhas (ele não gostava de cerveja), nunca o vi se vangloriar do passado. Mas ele transformava, sem afetação, a mesa do bar de Fortaleza num ambiente aristocrático, perfumado pelo aroma do London Dock queimando no cachimbo, que batia displicentemente na sola do sapato, para limpar.

Acho que nenhum aluno tentou ser tão igual a ele. Devia ser engraçado ver aquela dupla; eu, também de blazer, andando com ele pelo saguão de Congonhas antes dos vôos. Nunca esqueci a maneira dele pousar o avião: a velocidade caindo, o nariz alto, a lambida do trem principal e o pouso suave do trem dianteiro. Quando o vento estava cruzado ao invés de vir ‘glissado’, com os comandos cruzados, ele optava por vir ‘caranguejando’ e alinhava para o pouso na hora exata do arredondamento, tocando com uma roda e, depois, suavemente com a outra. Ele não gostava de glissar por que, dizia, a intensidade da deflexão poderia abrir os spoilers nas asas aumentando o arrasto e exigindo mais potência. Não era uma questão de capricho ou escolha pessoal. Era virtuosismo mesmo e isso fazia dele um instrutor exigente. Tenho passado a minha vida inteira tentando repetir aquelas lições.

A última vez em que viajamos juntos ele veio na cabine do DC10 assistir a chegada em Zurich. Durante toda a descida me apontava as cidades e contava alguma coisa dos lugares que ele conhecia tão bem e dos quais não comentava nas mesas de Fortaleza. Nestes últimos anos eu lamentei muito não tê-lo acompanhado nas idas anuais à Suíça. Em 2002, constrangido, não quis avisá-lo que eu estava afastado do vôo. Meses mais tarde, quando retornou da temporada anual com a família da Vera(sua esposa), me ligou preocupado depois que o informaram, a bordo, sobre o que acontecera comigo.

A última vez que nos falamos foi no Natal. Eu lembrei a ele que estávamos juntos no dia em que ele completou 50 anos. Hoje, já passado dos meus cinqüenta anos, procuro em meio à modernidade dos tempos atuais encontrar o lugar para o piloto que eu sempre quis buscar ser.
A automação cada vez maior exige mais gerenciamento e menos habilidades. Nós estamos ficando “pasteurizados”.

No último dia 5 minha filha avisou que a Vera ligara de São Paulo dando a notícia do seu falecimento dois dias antes. Desde então tenho estado mais triste e introspectivo. Um pedaço da minha vida decolou junto com o comandante Luiz Gabriel Wertheimer.

Fabio Goldenstein

Publicado atendendo a um pedido especial de nosso colaborador Ivan Ademar Ditscheiner, colega de profissão do Luiz Gabriel e do Fábio.
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