Desejo é uma coisa, vontade é outra
Autor Paulo Tavarez
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 11/26/2025 8:24:34 AM
O desejo humano, tal como o experimentamos psicologicamente, não surge do nada. Ele aparece como um impulso quase irresistível, carregado de tensão, sempre que somos tocados por inquietações internas. É como se a mente, incapaz de integrar certo desconforto, acionasse automaticamente um mecanismo de fuga. Assim, o desejo não é a causa da nossa dor - é a sua consequência. Ele é o extremo final de um circuito emocional mal resolvido.
Todas as vezes que um desejo irrompe, existe um combustível anterior mantendo-o vivo: memórias não digeridas, medos antigos, carências, rejeições, experiências interrompidas. Esse acervo forma o "software" psicológico, um sistema moldado fundamentalmente pela dor. A mente aprende a se movimentar tentando se afastar de tensões internas e, por isso, a maioria dos desejos pessoais assume essa natureza compensatória. Eles não apontam para aquilo que realmente somos, mas para aquilo do qual estamos fugindo.
Mas essa não é toda a história. Existe uma diferença profunda entre desejo e vontade.
O desejo é pessoal, condicionado, reativo. Ele nasce da tentativa da psique de aliviar aquilo que não sabe enfrentar. Já a vontade é o movimento natural da vida, o fluxo espontâneo da existência. É aquilo que Jesus chamou de "vontade do Pai", e que o taoísmo reconhece como o curso silencioso do Tao. Essa vontade não brota de dor, carência ou fuga. Ela não é uma reação, mas uma expressão natural - como o rio que corre porque é da sua natureza correr.
Ramana Maharshi apontava na mesma direção ao afirmar que "a ideia de que somos agentes é apenas uma ilusão; tudo é conduzido por uma força maior". Segundo ele, quando pensamos estar seguindo nossa própria vontade, na verdade estamos obedecendo a impulsos condicionados. Quando essa ilusão se dissolve, o agir flui sem conflito, porque já não nasce da defesa psicológica.
Krishnamurti também diferenciava claramente esses dois movimentos. Para ele, o desejo nasce do atrito entre o que é e o que gostaríamos que fosse. Já a verdadeira ação surge apenas quando não há centro psicológico tentando escapar de si mesmo. Onde há fuga, há desejo; onde há presença total, há apenas ação.
Mestre Eckhart expressou essa compreensão em linguagem cristã: "A liberdade perfeita é não ter vontade própria." Mas essa frase só faz sentido quando percebemos que ele não falava de submissão, e sim da dissolução do desejo condicionado. Quando a vontade pessoal se aquieta, a vontade maior - a vida em seu movimento espontâneo - torna-se evidente.
O erro comum é confundirmos o desejo psicológico com essa vontade profunda. O primeiro nasce da dor; o segundo nasce da própria vida. O desejo tenta preencher um vazio; a vontade é plena em si. O desejo é inquietação; a vontade é movimento sem esforço.
Quando vemos essa distinção, percebemos que grande parte do sofrimento humano vem justamente da confusão entre essas duas forças. Acreditamos estar sendo autênticos ao seguir impulsos que, na verdade, são apenas tentativas de escapar de dores antigas. Nesse estado, o desejo se torna um repetidor automático, um ciclo que reforça o próprio desconforto que tenta evitar.
Entretanto, quando paramos de fugir e olhamos diretamente para o que dói, algo se transforma. A energia antes represada começa a circular, como água que finalmente encontra passagem. A vida volta a fluir e, nesse fluxo, a vontade natural se revela. Ela não exige esforço, não produz compulsão, não cria tensão interna. Simplesmente se manifesta, como o Tao que age sem agir.
O caminho não é negar o desejo nem reprimi-lo, mas compreender sua origem. Aquilo que a mente tenta evitar é parte de nós, esperando apenas ser reconhecido. No momento em que paramos de lutar contra o que sentimos, a dor deixa de comandar a nossa dinâmica interna - e o desejo perde sua força compulsiva.
É então que podemos distinguir, com clareza, aquilo que nasce da fuga e aquilo que nasce da vida.
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Autor Paulo Tavarez Conheça meu artigos: Terapeuta Holístico, Palestrante, Instrutor de Yoga, Pesquisador, escritor, nada disso me define. Eu sou o que Eu sou! Whatsapp (para mensagens): 11-94074-1972 E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |
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