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Uma história de amor - continuação

Atualizado dia 9/27/2006 5:04:59 PM em Autoconhecimento
por Celso A. Cavalheiro


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Seu Joaquim trabalhava na viação ferroviária há quase quarenta anos. Nos últimos tempos andava se sentindo meio fraco. Sentia que já não era o mesmo. Não havia perdido a alegria e o bom humor, mas já não desempenhava suas funções com a mesma energia e disposição. Aquela tosse, também, não o deixava dormir bem à noite. Nunca havia ido a um médico e embora dona Genésia insistisse, ele arranjava sempre uma bela desculpa. Mas desta vez não conseguiria fugir. Sua filha de criação, Ana, tinha vindo de muito longe para levá-lo ao médico e não iria fazer uma viagem dessas em vão.

O médico disse que seu Joaquim não tinha nada de grave. Pediu-lhe alguns exames e depois de alguns dias e alguns remédios, sugeriu que fosse passar uns tempos em um clima mais seco e que aproveitasse para tirar umas longas férias. Dona Genésia e Ana, depois de muita conversa, conseguiram convencer seu Joaquim a se aposentar e mudar-se para onde a filha morava. Ele acabou concordando meio a contragosto, mas queria tempo para deixar as coisas bem arrumadas onde morava. Queria vender a casa, pagar algumas contas e ir se acostumando aos poucos com a idéia de ir embora. "A gente cria raízes", costumava dizer, "faz amigos, planta árvores, cria bicho e abandona tudo um dia; de repente, é como morrer um pouco".

Seu Joaquim sabia que não poderia levar as árvores. Mas dos bichos ninguém iria separá-lo. Ouvira dizer que os gatos não gostam de mudança e acabam voltando para casa mais cedo ou mais tarde. Perder o trabalho já era muito duro para ele, não poderia nem pensar em perder sua companheira das manhãs de inverno, das madrugadas frias. Quem iria notar quando ele estivesse triste e deprimido por causa da aposentadoria e viria correndo fazer-lhe um carinho, enroscando-se entre suas pernas ou pulando em seu colo? Quem iria compreender aquela lágrima que tantas vezes caíra de seus olhos, quando pensava nos filhos que nunca tivera?

Capítulo 5

O velho trem sacolejava barulhento. Parecia uma centopéia desengonçada tentando equilibrar-se em cima dos trilhos. E, embora não fosse nenhuma novidade para seu Joaquim - tantas horas dentro de um trem sem esticar as pernas - estavam demolindo seus ossos. Não via a hora de chegar.

Debaixo de um banco, numa caixa escura tapada com um pano velho, minha mãe fazia o possível para suportar a viagem. Não havia outra maneira de protegê-la. Era proibido trazer animais dentro do trem e, também, seu Joaquim tinha medo que ela reconhecesse o caminho e fugisse de volta quando chegasse ao destino. Mas o pequeno espaço e a escuridão não eram o maior tormento de mamãe. Papai havia ficado distante. E ela não tivera nem sequer tempo para dizer-lhe adeus. O que ele iria pensar dela? Talvez pudesse pensar que ela não o amasse mais. O que pensaria ele quando não a encontrasse no telhado de zinco do galpão da igreja? Talvez num primeiro momento pensasse que era uma brincadeira (mamãe adorava brincadeiras desse tipo), que ela estivesse se escondendo só para deixá-lo aflito e que depois apareceria, de repente, meneando a cabeça, provocante, como já havia feito outras vezes. O que sentiria ele ao perceber que ela não viria mais?

O coração apertava-lhe no peito e um nó enorme na garganta insistia em roubar uma lágrima de seus olhos. Ela que sempre fora uma rocha sentia-se desmoronar como um castelo de areia na praia. Tinha recém-começado a viver e já se sentia morrer por dentro. Exausta e infeliz adormeceu.

Seu Joaquim, de vez em quando, durante a longa viagem, levantava o pano que cobria a caixa onde mamãe estava e dava uma espiada. Mamãe parecia morta. Prostrada e abatida, entregara-se ao sono profundo. Queria não acordar mais. Apesar do sofrimento, mamãe teve um belo sonho: caminhava livre por um campo imenso entre flores amarelas que amaciavam seus passos. Uma brisa suave soprava, alisando seu pelo negro. Alguns animais escondiam-se do sol forte debaixo de arbustos que a natureza, sabiamente, salpicara aqui e ali, no coração do imenso prado verde.

De repente, uma linda voz vinda com o vento calmo soprou-lhe uma confidência: “Este, disse a voz serena, é o teu destino final, o lugar onde um dia irás viver a plenitude do teu ser e descobrirás o sentido maior da vida e o que realmente significa ser feliz. Por enquanto, terás que passar por momentos amargos que te farão duvidar deste sonho. Mas se fores forte e paciente irás conhecer a verdadeira felicidade, que hora pressentes existir no fim deste caminho. Por hora terás que compreender que a vida é o resultado de nossos erros e acertos e vais ter que descobrir, em cada duro momento, a lição que ele te traz, para que possas progredir e chegar até aqui. Às vezes o dia-dia te fará esquecer esta verdade. Mas à noite, quando estiveres só com tua alma eu voltarei a te falar para reafirmar cada minuto deste belo sonho. E mesmo quando a vida parecer insuportável, tu me ouvirás intacta no fundo do teu coração e eu te devolverei a serenidade. Só há um caminho a seguir, e quanto mais rápido aprenderes, menor será tua dor”.

O trem parou na pequena estação da cidadezinha que mais parecia uma vila. Paralela à estação, uma estradinha de chão batido levava ao centro da cidadezinha pacata. Seu Joaquim respirou fundo, pegou a caixa onde mamãe estava e partiu, com um nó na garganta, em direção ao seu destino. Achava que não tinha forças para mudar tudo aquilo e aceitou a vida que lhe sobrara.

Texto revisado por Cris

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