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A criança nasceu - Capítulo 12

Atualizado dia 12/10/2010 11:55:39 AM em Espiritualidade
por Satyananda


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Era Dezembro do meu primeiro ano de vida de monge. Todos nós chegamos ao ashram onde estavam os monges de origem hindu preparando uma puja, uma festa sagrada para Jesus Cristo. Era bastante jovem para poder entender o que aquele universo de cristianismo estava fazendo dentro de um templo junto com Krishna, Rama e o Senhor Shiva, mas achei aquilo normal por conta de todas as leituras que tinha feito; estranhamente aquilo tudo me parecia natural.

Em um determinado dia, com as experiências de clarividência se sucedendo, eu lembrei de um conto russo o qual narrava de uma vila gelada do norte da Europa onde, quando as pessoas passavam umas pelas outras, em vez de falarem “Feliz Natal”, falavam “A criança nasceu”. É uma referência prática do dia-a-dia do nascimento do Jesus, o nascimento de um Cristo na Terra e aquilo ficou na minha memória.

Os dias se passavam e em meados de Dezembro, voltando da faculdade à noite, agora preocupado com cada sombra que passava na frente, -porque as sombras pareciam vivas, do mesmo jeito que os espectros de luz, que passavam nas laterais dos olhos- eu virava para olhar e ver se tinham forma, mas na verdade importava agora mais a sensação do que a própria figura. Caminhando pelas ruas de Higienópolis, passei pela Praça Vilaboim e subi a ladeira da Rua Alagoas. Lá na esquina, no alto da ladeira, vi um mendigo. Achei que fosse um mendigo porque ele estava descalço, com um macacão azul marinho que ia até os pés. Era um homem de tez morena e o cabelo entre um castanho claro e um cor de mel, nem comprido nem curto e com um olhar absolutamente inesquecível. Os olhos eram de uma cor indefinida, embaixo da luz noturna pareciam meio amarelos, depois que se olhava com cuidado parecia da cor verde, depois em alguns momentos achei que tinham rajadas azuis.

No entanto, não era a cor e nem a aparência forte -e ao mesmo tempo infantil desse homem- que me impressionavam, era a limpeza que eu percebia no seu corpo. Parecia que cada poro dele fosse um cristal, parecia que o cabelo dele tinha acabado de ser lavado, como naquelas propagandas de xampu que a gente vê na TV. Ele realmente parecia uma holografia, só que esse conceito lá para o ano de ‘83 ou ‘84, próximo ao Natal, nem existia e a gente nem sonhava com essa possibilidade. Mas ele era de uma limpeza e um asseio impressionantes.
Olhei então para aquele homem, peguei todo o dinheiro que estava no meu bolso, estendi a mão na direção dele e sorri; ele sorriu de volta para mim, estendeu o braço e eu coloquei o dinheiro na mão dele. Ele simplesmente sorriu, sem proferir palavra alguma.

Passei a sentir arrepios no corpo todo, parecia que tudo se tornara clarividência, não conseguia mais distinguir entre os seres humanos e as visões. Nesse momento sorri, virei as costas e caminhei por uns vinte, trinta metros, começando a racionalizar sobre o que tinha acontecido. Lembrei-me da limpeza impressionante das mãos, do rosto, do olhar e foi quando percebi algo que me fez olhar para trás.
Lembrei-me que os pés dele, que observara em primeiro lugar, eram absolutamente limpos, parecia que tinha acabado de sair do banho, pisando na toalha fora do Box. Era de uma limpeza descomunal e ainda quase não percebi a sombra dele, embaixo daquela luz na esquina. Olhei para trás quase que por impulso, querendo conferir se tudo aquilo que eu vira era real. Quando me virei, senti um brusco arrepio, daqueles experimentados quando a gente transita entre as dimensões, um arrepio que se transformou em uma dormência que descia pelas costas, porque, quando eu olhei para trás, vi que aquele homem não estava mais lá. Achei que ele tinha descido a ladeira, ou simplesmente saído do meu campo de visão. Mas o que realmente me impressionou é que na realidade não havia a tal luz lá em cima, não havia um poste, ou a luz de alguma residência da esquina. Continuei caminhando para casa na noite escura com aquela sensação de arrepio e de estranheza que o corpo manifesta quando passa por isso, mantive a mente vazia e simplesmente colecionei essa sensação com todas as outras que estavam se sucedendo.

Passaram-se dias, a puja de Natal estava chegando e em um dia no início da noite, indo para a faculdade, próximo ao cemitério da Consolação, eu vi novamente aquele homem do outro lado da rua. Ele estava sorrindo para o nada, ou como se estivesse olhando para as andorinhas do final de tarde, que naquela época lotavam os buracos da lateral do cemitério onde elas faziam ninhos. Era absolutamente agradável ver os vôos rasantes, o momento em que a andorinha plana e o momento em que ela dança com seu companheiro. E aquele homem, aquele mendigo -o mesmo de outro dia-, estava parado ali, com o mesmo macacão, descalço do mesmo jeito... No dia do primeiro encontro eu tinha percebido que no meu bolso havia ficado uma moeda. Aquela moeda me atormentara até esse novo encontro, porque eu queria ter dado tudo, no entanto tinha sobrado alguma coisa. Algo absolutamente deselegante nesta situação, porque eu deveria ter entregue tudo, sobretudo quando a gente acha que tivera uma visão de algo superior, como eu supunha ter tido.

Mais uma vez, a impressão de luz sobre a cabeça daquele homem era muito forte, como se tivesse um holofote ligado sobre ele. Atravessei a rua correndo em sua direção, como uma criança corre para um brinquedo. Ele me olhou com um olhar tranqüilo, gentil como sempre, com aquele mesmo olhar, da primeira vez doce e agora com a mesma doçura mas emanando muito, muito afeto. Esse homem ficou parado na minha frente, e desta vez eu conferindo se tudo que estava no meu bolso ia para as mãos dele, mesmo que eu estivesse abrindo mão do meu jantar, ou tivesse de voltar para casa a pé. Eu simplesmente sentia que tinha que dar tudo. Estendi a mão e dessa vez eu falei: - Senhor, outro dia eu lhe encontrei e não dei tudo que eu tinha, agora -graças a Deus-, tive a oportunidade de reencontrá-lo e estou lhe entregando tudo que está no meu bolso, e se o Senhor quiser o meu livro sobre Budismo, também posso lhe doar.

Seus olhos se encheram d’água, ele pegou a minha mão que estava com as palmas para cima segurando o dinheiro e com uma delicadeza enorme fechou-a sobre o dinheiro. Deu um sorriso que transmitia uma expressão de profunda gentileza e simpatia. Olhou fundo dentro dos meus olhos, um olhar que fez tremer meu corpo inteiro, estremecendo tudo o que poderia chamar de estrutura física. Parecia que meus joelhos estavam chocando-se e minha perna perdeu o equilíbrio. Virei de costas rapidamente para ele não perceber nada, principalmente o suor frio na minha fronte e caminhei, afastando-me para longe. Quando parei e olhei para trás... nada havia. Simplesmente, deixei aquela sensação para trás e fui embora, acreditando então que aquela visão tivesse sido uma visão vinda do céu.

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